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Sinopse

Em um mundo pós-apocalíptico, Malorie e seus filhos precisam chegar a um refúgio para escapar do Problema, criaturas que ao serem vistas fazem pessoas se tornarem extremamente violentas. De olhos vendados para não serem afetados, a família segue o curso de um rio para chegar à segurança.

Crítica

É de se perguntar o que teria levado alguém a apostar em um filme como Bird Box no mesmo ano em que um sucesso como Um Lugar Silencioso (2018) chegou aos cinemas, faturando nada menos do que vinte vezes o valor do seu orçamento! Bom, talvez não seja tão difícil: puro engajamento. Afinal, esperava-se que o raio caísse duas vezes no mesmo lugar, no mínimo – sem ter medo algum de soar como cópia pura e descarada, é fato. É por isso que foram feitas tantas alterações no livro original de Josh Malerman ao ponto de ficar quase irreconhecível em sua versão cinematográfica – ou seria televisiva? Afinal, assim como outros títulos recentes, como The Cloverfield Paradox (2018) ou Mogli: Entre Dois Mundos (2018), o que se vê aqui é algo que poderia ter sido pensado para o cinema, mas frente a um retorno tão aquém do esperado, a única solução foi abraçar a Netflix, que a desovou na sua plataforma de streaming. E é preciso confessar: esse destino é justo diante do que aqui é apresentado.

Se no citado Um Lugar Silencioso os personagens precisavam se esforçar para não emitir nenhum tipo de som, pois naquela realidade a Terra havia sido invadida por monstros alienígenas cegos, porém de excelente audição – eles ‘enxergavam’ através dos barulhos, portanto, e a única maneira de garantir a sobrevivência era através do silêncio absoluto – em Bird Box um outro sentido é afetado: a visão. No mais, a diretora Susanne Bier faz da sua adaptação um trabalho mais inspirado no longa dirigido e estrelado por John Krasinski do que no livro original de Malerman. O cenário é praticamente o mesmo – nosso planeta rumo ao apocalipse – porém as criaturas que agora aqui se encontram matam através do olhar: basta vê-las para que o ser humano enlouqueça a ponto de se tornar irracionalmente selvagem e executar o próprio suicídio. Para permanecer vivo, e assim se proteger, basta não fazer uso da visão. Quem não os vê, não perde a razão. Mas se a nível individual a solução parece simples, em termos de sociedade o caos está instalado: nada mais é como um dia já foi.

As pessoas vivem escondidas, lutando por alimentos e apoiando-se uns nos outros. No entanto, há aqueles que vislumbraram os invasores e, ainda que tenham se transformado em seres violentos, diferentes de como eram antes, não foram pelo mesmo caminho de tantos outros que terminaram se matando. Eles acabam se tornando emissárias dos monstros (que, felizmente, não chegam a ser vistos em cena, ainda que ganhem efeitos introdutórios – “folhas aos céus” – um tanto constrangedores e previsíveis), configurando em uma nova ameaça. Malorie (Sandra Bullock) está grávida do primeiro filho, e após perder a irmã logo no início dessa crise, encontrou refúgio junto a um grupo de pessoas em situação similar a dela. No entanto, quando um destes malucos aparentemente imunes consegue se infiltrar entre eles, todos estes sobreviventes passam a correr risco de vida, mesmo sem saberem. Ao mesmo tempo, acompanhamos a protagonista, ao lado de duas crianças, navegando pelas correntezas de um rio, os três de olhos vendados. Para onde vão? Quanto tempo separa estes dois momentos? O que aconteceu com os demais que estavam com ela? E quem são esse garoto e essa menina? Perguntas demais que o filme responde de forma abrupta e desleixada.

Susanne Bier é uma cineasta dinamarquesa vencedora do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pelo drama Em Um Mundo Melhor (2010). Infelizmente, não é a mesma que está por trás de Bird Box, e sim aquela cujo trabalho anterior em Hollywood fora o catastrófico Serena (2014), o único longa da dupla Bradley Cooper & Jennifer Lawrence que ambos fazem questão de esquecer. Se Bier demonstra clara falta de tato ao conduzir uma história que combina suspense e terror com relacionamentos pessoais, pior é o trabalho do roteirista Eric Heisserer (indicado ao Oscar por A Chegada, 2016, mas autor também dos problemáticos Contagem Regressiva, 2013, e Quando as Luzes se Apagam, 2016). Ele abriu mão de quase tudo que o livro tinha de interessante, aproveitando basicamente apenas o conceito de “quem ver, morre”, e em troca inseriu elementos tão novelescos quanto genéricos. A subtrama romântica, assim como os poderes telepáticos das criaturas, por exemplo, são meras invenções de sua parte. E basta estar atento para perceber o quão inapropriado elas acabam resultando.

Agora, nada é pior do que a escolha de Sandra Bullock como protagonista. No original, tínhamos uma personagem de 20 anos que passa por um processo de maturidade, indo de uma jovem inconsequente a uma mulher que luta por uma inesperada família, assumindo responsabilidades nunca antes imaginadas. Em cena, o que temos é uma senhora de 54 anos se fazendo passar por alguém muito mais jovem do que é de fato. Basta perceber a maquiagem sempre perfeita, o cabelo muito bem cortado e as sobrancelhas delineadas no lugar certo, e isso que o mundo ao redor dela está, literalmente, acabando! Como consegue tempo para se arrumar daquele jeito? Bullock não convence como uma mãe de primeira viagem, e muito menos como uma sobrevivente que precisa lutar com seus próprios demônios. Ela tem sua área de expertise, é fato, e já houve situações em que se afastou dessa zona de conforto com resultados surpreendentes. Infelizmente, esse não é o caso. Bird Box, pelo ego de uma estrela típica de Hollywood, pela inexperiência de uma realizadora estrangeira obrigada a se encaixar em padrões pré-estabelecidos ou por uma adaptação que elimina o que a fonte tinha de original, se apresenta como mais um no meio de um balaio, frustrante e esquecível. O típico caso em que o clichê “o livro era melhor” se faz valer. Mesmo que, para tanto, pouco esforço tenha sido feito.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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