Crítica
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Sinopse
Trinta e cinco anos após os acontecimentos vistos em Blade Runner: O Caçador de Andróides (1982), a humanidade está novamente ameaçada, e dessa vez o perigo pode ser ainda maior. Isso porque o novato oficial K desenterrou um terrível segredo que tem o potencial de mergulhar a sociedade no completo caos. A descoberta acaba o levando a uma busca frenética por Rick Deckard, desaparecido há 30 anos.
Crítica
Quando chegou aos cinemas, no início dos anos 1980, Blade Runner: O Caçador de Androides (1982) foi recebido com desconfiança pelo público e pela crítica. Com certeza, não ajudou ter estreado na mesma semana de E.T.: O Extraterrestre (1982), um dos maiores sucessos de todos os tempos, mas a questão era maior do que apenas uma infeliz coincidência. Tínhamos, enfim, um perfeito caso de filme “à frente do seu tempo”. E isso ficou claro com o passar do tempo, quando o longa dirigido por Ridley Scott não somente voltou a ser revisitado pelo realizador – oficialmente, há três versões: a exibida nos cinemas, a do diretor (que fez algumas alterações, mais de acordo com sua vontade inicial, uma década depois) e a final, com novos efeitos e alterações ainda mais radicais – como pelos espectadores, que terminaram por elegê-lo como obra de culto. Tanto é assim que se justifica a expectativa criada por Blade Runner 2049, sequência produzida 35 anos depois e que, mais do que uma releitura, se apresenta como uma continuação direta dos eventos vistos anteriormente. E se essa parece, num primeiro momento, ser uma opção arriscada, pois afasta os neófitos deste universo, ao mesmo tempo respeita a mitologia desenvolvida nestas últimas décadas.
Um dos grandes mistérios acalentados com fervor pelos fãs era a respeito da natureza de Rick Deckard (Harrison Ford): seria ele também um replicante, ou não? Em O Caçador de Androides, o vemos perseguindo seis destes seres com registro de série – aparentemente idênticos aos seres humanos, porém manufaturados pelas Indústrias Tyrell para trabalharem como operários e de existência limitada. As coisas começam a mudar quando ele se depara com Rachael (Sean Young), a única que não tem consciência da sua origem. Assim, se foi possível que seus criadores a tenham enganado, o que os teria evitado de fazer o mesmo com Deckard? Em 2049, essa dúvida, no entanto, não existe em relação ao protagonista: desde os primeiros instantes, já sabemos que K (Ryan Gosling) é, de fato, também um replicante. Porém, um modelo avançado, sem sobrevivência determinada e mais controlado em seus modos, ainda que igualmente obstinado em suas tarefas.
Ele trabalha para a Polícia de Los Angeles, também como Blade Runner, e está à procura de replicantes ultrapassados, antigos e rebeldes. Ao ‘aposentar’ um deles, ouve como resposta: “você só está fazendo isso pois nunca testemunhou um milagre”. Será essa posição messiânica, portanto, que irá percorrer toda a trama. No desenrolar das ações, K ficará cada vez mais ciente de sua posição dentro deste mundo impessoal e ausente de emoções: mais do que um herdeiro legítimo de Deckard, não seria ele, também, seu descendente literal? Duas forças contrárias se alarmam diante dessa possibilidade. Primeiro, a Lei, aqui representada por sua superiora e oficial, a tenente Joshi (Robin Wright, oferecendo com propriedade a frieza que se tornou uma característica própria no seriado House of Cards, 2013-2017). Ela sabe que uma revelação dessas – a ideia de que os replicantes possam procriar – irá alterar de forma definitiva a realidade em que vivem. No sentido oposto, o milionário Niander Wallace (Jared Leto, confortável com toda a estranheza que o papel exige) enxerga nessa alternativa milhões de possibilidades, e usará todo o seu poder – leia-se, a força bruta de Luv (Sylvia Hoeks, de O Melhor Lance, 2013), sua androide de estimação – para dominar essa condição.
Se no primeiro filme o debate era a respeito da criação e quais os direitos e deveres, tanto dos criadores como dos criados, Blade Runner 2049 opta por discorrer a respeito da continuidade, da existência – ou não – de um salvador e da crença de que uma realidade melhor possa ser possível. K – ou Joe, como passa a ser aceito a partir de determinado momento – não tem dúvidas de quem é, mas se pergunta para onde vai e, principalmente, de onde teria vindo. São questionamentos universais, que existem desde o início dos tempos, e que aqui ganham força em uma versão cibernética. Personagens que marcaram uma geração, como Deckard (Harrison Ford leva mais de duas horas para aparecer no filme) e até mesmo Gaff (Edward James Olmos, em participação não creditada) acabam não sendo mais do que meras distrações, enquanto que, dentre os novos, tanto Dave Bautista como a israelense Hiam Abbass possuem uma presença discreta, porém marcante, ao contrário de Wright e Leto, que parecem terem sido convocados mais pela persona que vendem enquanto artistas do que por uma função dramática. E quem diria que Sean Young, mesmo em versão digital, poderia ser tão relevante?
Resta, portanto, Ryan Gosling, um astro de talento confirmado, porém pouco afeito a grandes espetáculos de orçamentos inflados. Talvez seja por isso que fale pouco e ofereça não muito mais do que expressões sólidas durante toda a história. A alma de Blade Runner 2049, afinal, não está nos esforços do diretor Denis Villeneuve – que estende a complacência de A Chegada (2016) ao nível máximo – em emular a aura de Blade Runner: O Caçador de Androides, seja pela fotografia inebriante de Roger Deakins (será que, após 13 indicações ao Oscar, e nenhuma vitória, chegou, finalmente, sua vez?) ou pela trilha sonora respeitosa de Hans Zimmer, mas em uma elucubração filosófica que sofre para se encaixar no conflito proposto pelo roteiro de Hampton Fancher (que também assinou o texto do longa original) e Michael Green (que só neste ano esteve no instigante Logan, 2017, e no controverso Alien: Covenant, 2017). E no fim, quando nada mais resta, cabe confiar nas lembranças que perduram – sejam elas artificiais ou não.
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