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Crítica


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Sinopse

Crianças de uma aldeia remota do Curdistão precisam fazer um grande esforço para jogar futebol. Como não há terreno para o esporte na aldeia, elas ocupam o topo de uma montanha.

Crítica

As ‘garotas azuis’ são aquelas que, por causa da religião e de tradições enraizadas, são proibidas de praticarem qualquer tipo de esporte. Estamos no Curdistão, uma das regiões mais pobres do mundo, que compreende partes da Turquia, Irã, Síria e Iraque. Com cerca de 30 milhões de habitantes, a maioria é formada por muçulmanos sunitas, e se organizam em tribos, longe das grandes cidades. São pessoas perdidas no tempo e no espaço. Mas há um momento em que ficam em plena sintonia com o resto do planeta. E isso se dá durante a Copa do Mundo de Futebol – e, claro, quando outros grandes eventos esportivos similares acontecem. Mas nenhum tem a mesma ressonância como quando a bola está rolando no campo verde. E se todos torcem, por outro lado, apenas eles podem, de fato, participar do jogo – a elas, resta apenas a torcida discreta, longe de maiores exaltações. Blue Girl poderia ser um filme sobre essa contradição, aprofundando uma necessária reflexão a respeito. Por outro lado, o diretor Keivan Majidi se contenta em apenas registrar o pitoresco, sem oferecer os elementos necessários para uma crítica mais contundente.

Isso se dá porque o cineasta escolhe como ponto de partida um minúsculo vilarejo incrustado em uma área entre as montanhas. Os que lá moram, torcem e vibram como os demais. Mas a eles é proibido o básico, e por uma questão simples: não podem jogar pela óbvia ausência de um espaço plano onde praticar o esporte. Uma das meninas, instigada por esse fato insólito, acaba servindo de narradora. Ela decide acompanhar os esforços dos garotos das redondezas e a busca deles por um lugar onde jogar. E se montanhas é tudo o que enxergam por todos os lados, restam apenas duas direções a serem perseguidas – para baixo, onde não mais estarão em casa, ou para cima, parte de suas naturezas. Assim, a escolha é um tanto lógica. Eles sobem. E, no alto, finalmente descobrem como exercer a paixão que os consome.

Aqui, Majidi tem à sua disposição terreno fértil para se debruçar e estabelecer as mais variadas análises sobre o poder de união da atividade esportiva, como ela consegue tornar pequeno um mundo tão vasto e revelar as nítidas influências globalizadas, em que nomes como Cristiano Ronaldo, Messi e Zidane são tão comuns quanto os dos pais e avós dessas crianças. Da mesma forma, essa válvula de escape pode ser vista ainda como uma possível esperança, algo cada vez mais distante desses que estão tão longe das capitais, mas, mesmo assim, compartilham dos mesmos sonhos e aspirações. Quem sabe suas vidas não irão mudar por completo apenas por saberem como lidar com a bola em seus pés? Se foi exatamente isso que aconteceu com seus ídolos, por que com eles seria diferente?

No entanto, o diretor, apesar de estar diante dessas possibilidades, parece tão embevecido do cenário que encontra que opta por amortecê-las frente ao curioso e inusitado. O campo horizontal que descobrem é longe de suas casas, e ainda que a caminhada até ele seja cansativa num primeiro momento, logo esse detalhe é esquecido pela narrativa. Há também a questão da comunhão entre os esforços para transformar uma terra de pedras, abandonada por todos, em um local que possa servir aos interesses comunitários. Como que eles, mesmo tão jovens, conseguem se unir em nome de um bem comum, enquanto que aqueles que seriam os maduros lutam tanto sem conseguirem se entender? Portas essas que estão ao alcance do olho, mas nenhuma ganha a devida atenção para que a troca e a reflexão se fortaleça.

Sahar Khodayari se tornou a imagem das ‘blue girls’, reconhecida assim no mundo todo após ter decidido incendiar-se em frente ao Tribunal Revolucionário Islâmico em 2 de setembro de 2019, por ter lhe sido negada a entrada no estádio de futebol do time que torcia. O protesto até hoje repercute, mas qual o tamanho das mudanças que provocou? No filme de Majidi, meninos e meninas se juntam e conseguem preparar um campo no topo da montanha. Porém, assim que tudo fica pronto, os velhos costumes voltam a imperar. A elas é destinado a observância à distância, enquanto que apenas eles podem partir para a diversão. A união era ilusória, ou houve ali um respiro, uma trilha a ser perseguida e ampliada? Essa dúvida fica apenas no ambiente da suposição. As meninas azuis seguem nos seus mesmos lugares. E Blue Girl, ao invés de fazer a diferença, se contenta em apontar, sem oferecer as condições necessárias para que o debate aconteça de fato.

Filme visto online no 7o BIFF: Brasília International Film Festival

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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