Sinopse
Jean é uma professora de educação física que vive em 1988. Lésbica, ela é obrigada a levar uma vida dupla, principalmente porque o governo do Reino Unido está com uma campanha contra a população LGBTQIAPN+.
Crítica
O cinema como um todo, e não apenas no nicho independente e/ou alternativo, precisa se reinventar no que diz respeito às abordagens de temáticas LGBTQIAPN+. Durante muito tempo, personagens com orientações sexuais que não heterossexuais – portanto, divergentes da maioria – eram vistos na ficção de apenas duas formas: ou como alívio cômico, ou como meios para exibição de atos de vilania. Ou seja: ou eram motivo de deboche, ou de desprezo. Aos poucos isso foi mudando, mas para uma realidade não muito melhor: gays e lésbicas (e todas as demais identidades abraçadas pela sigla da diversidade) passaram, sim, a serem vistos como pessoas iguais às outras (uau, que progresso!), mas destinadas e um desfecho invariavelmente desgraçado ou melancólico. São poucos os exemplos, como os recentes Mais Que Amigos (2022) ou Fire Island: Orgulho e Sedução (2022), capazes de exibir sem disfarces ou distrações personagens interessados – tanto no sexo como no romance – por outros iguais a si e dignos de um final feliz. Blue Jean, no entanto, segue preso a uma verdade ultrapassada. Eis aqui um drama feito com respeito e sobriedade, mas do qual qualquer um minimamente familiar a esse universo poderá antecipar sem esforço toda decisão ou tomada de rumo. Portanto, resta a pergunta: a quem se destina um filme como esse? Catequizar os já catequizados, ou reforçar uma imagem de tristeza e angústia entre os curiosos ou mesmo recém-chegados? Em ambos os casos, os esforços não se justificam.
A diretora e roteirista Georgia Oakley começou trabalhando como atriz (fez uma ponta de Desejo e Reparação, 2007), mas após realizar uma série de curtas, optou por se fixar no trabalho desenvolvido nos bastidores. Blue Jean marca sua estreia no formato longo, porém sem ir além do esperado diante de um retrato como o qual se propõe – talvez por isso, pela ausência de qualquer tipo de surpresa, o resultado soe morno e previsível. Em inglês, a palavra “blue” possui como significado imediato a cor “azul”, mas pode ter também outros entendimentos, sendo um deles relacionado à depressão. Jean (Rosy McEwen, de Vesper, 2022) é, portanto, uma pessoa triste, como se pode antever pelo título. Morando em uma pequena cidade no interior da Inglaterra, essa professora de Educação Física sente no seu dia-a-dia o impacto da política de repressão e conservadorismo imposto pelo governo da primeira-ministra Margaret Thatcher. Sua autoridade se restringia ao percurso de cada aula. Assim que o sinal tocava, sua maior preocupação era se tornar invisível, para que ninguém lhe dirigisse o olhar e, enfim, percebesse quem, de fato, ela é.
Essa técnica, por anos aperfeiçoada de modo quase inconsciente, desmorona tal qual um castelo de cartas com a entrada de outras duas mulheres em sua vida. A primeira é Vivian (Kerrie Hayes, de O Garoto de Liverpool, 2009), que de uma ficada casual em uma noite qualquer aos poucos vai conquistando espaço em sua rotina e sentimentos, algo do qual há muito se resguardava, ao menos desde a separação (de um homem, seu ex-marido, com quem a pressão da sociedade a levou a se unir, sem que tivesse condições para levar tal relacionamento muito adiante). A outra, e potencialmente mais problemática, será a jovem Lois (a novata Lucy Halliday), uma aluna que há pouco chegou na escola e tem demonstrado dificuldade em se enturmar com as demais colegas. Se Jean identifica de imediato na menina uma necessidade de protegê-la de abusos ou demonstrações de bullying, logo isso se inverte quando a encontra por acaso no mesmo bar voltado ao público lésbico ao qual costuma frequentar tarde da noite, longe dos olhares de vizinhos ou colegas de trabalho.
Essa leitura, que vai da vítima que necessita de ajuda a uma ameaça em potencial, transtorna a protagonista a ponto dela mesma não mais se reconhecer – o que dirá, portanto, das reações dos espectadores, que com ela estão convivendo por pouco mais de uma hora. Jean surge no começo do filme como uma mulher independente, segura de si, capaz de separar com precisão as duas vidas que leva, sem permitir que uma interfira na outra. Lois não tem porque interferir nessa dinâmica, mas basta essa ter o poder de fazer isso para que a mais velha não mais consiga se concentrar no que lhe é, em última instância, realmente importante. Vivian será a primeira a pagar por isso, mas também é aquela capaz de oferecer a ajuda apropriada para que a amante reencontre seu rumo. As três atrizes estão afinadas nestes encontros e desencontros. Se Halliday é tanto rebeldia quanto determinação, pelo olhar ao mesmo tempo puro e embrutecido, Hayes resguarda para si uma composição reveladora, que vai além de um exterior estereotipado, aprofundando-se em uma figura complexa e envolvente.
Mas os olhos estarão voltados para McEwen, que sabiamente escolhe um caminho de sutilezas e detalhes, evitando grandes gestos e atitudes expansivas. Essa postura é corroborada pelo roteiro econômico e por diálogos que deixam de lado explicações desnecessárias e excessivas. A direção está ciente da capacidade de entendimento de sua audiência, e a essa não estende nenhuma possibilidade de menosprezo. O lamento, enfim, recai no argumento, que transita por cenários fáceis de serem antevistos, assim como os desfechos de cada encruzilhada desenhada. Ainda que não tão melodramático (e caricato) quanto o similar Meu Policial (2022), Blue Jean tem ao menos a seu favor a força deste elenco e o poder de uma história que, ainda que reiterativa para muitos, possui um potencial de alerta que não pode ser menosprezado. Eis, portanto, um cinema cujo ativismo encontraria maior ressonância duas ou três décadas atrás. Hoje, soa como curiosidade, mas pouco além disso. Um avanço que faz bem em tempos em que o retrocesso parece estar não muito distante, por mais que, enquanto arte, seu discurso se confirme, de forma inevitável, um tanto envelhecido.
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péssimo.