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Crítica


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Sinopse

Sempre envolvida com trabalhos humanitários, uma professora de francês se vê diante de turbulências pessoais enquanto precisa descobrir como se conectar com sua turma e se garantir diante da "concorrência".

Crítica

O altruísmo de Isabelle (Agnès Jaoui), algo que a demarca cotidianamente, é atravessado por contradições. Mesmo que dedique sua vida à alfabetização de estrangeiros, assim possibilitando que tantos vivam melhor na França, não hesita em expor a colega alemã por mesquinharia. A protagonista de Boas Intenções está bem longe de ser destituída de arestas, pelo contrário. São os paradoxos constantemente apresentados que lhe definem, uns bem articulados no filme dirigido por Gilles Legrand, outros servidores de observações superficiais, quando não meramente encarregadas de pavimentar a conciliação. A máxima do “santo de casa não faz milagre” se aplica também a essa mulher, uma vez que ela negligencia marido e filhos, negando-lhes involuntariamente a atenção e o zelo que coloca à disposição dos desprotegidos imigrantes. Mas isso é resolvido a fórceps, com senões jogados para debaixo do tapete em função de uma mensagem de bases frágeis.

Boas Intenções fala sobre pessoas em situação de vulnerabilidade social sendo orientadas por uma cidadã à mercê de questões a serem resolvidas. O longa não trabalha a contento o fato dela evidentemente se regozijar com o trabalho assistencial, às vezes chegando ao cúmulo de demonstrar um ar de superioridade mal camuflado pelo discurso progressista. Na reunião de família, condiciona a bondade ao assistencialismo, negando aos demais um patamar que acredita ter alcançado por fazer o bem, sentindo-se elevada de certo modo. Nessa toada, insiste em coisas como constranger a filha publicamente para saber a porcentagem atribuída aos tecelões do vestuário. É clara essa consciência beirando o caricatural, sobretudo por conta da ausência da mínima noção de circunstância. Mas a produção não problematiza isso, situando o exagero como simples distorção momentânea. Se esquadrinhada de perto, Isabelle talvez revelasse tal profundeza.

Todavia, em Boas Intenções os dissensos são colocados na conta da pegada agridoce, da comicidade melancólica que reside abaixo da superfície. Dessa maneira, ao cineasta é possível triscar em apontamentos, não se aprofundando neles, privilegiando a mensagem, nem que isso signifique penhorar a amplitude. Uma vez se debruçando sobre a questão da imigração na França, levando em consideração tudo o que isso acarreta na contemporaneidade assolada pela crise dos expatriados, é curioso que os estrangeiros sejam amalgamados num grupo gradativamente uniformizado, com poucos espaços às devidas singularidades. Também se impõe como debilidade desses coadjuvantes de peso literal e simbólico expressivo a forma como são privados de espaço para ultrapassar os estereótipos atrelados às suas respectivas nacionalidades. Ainda que haja uma verbalizada preocupação com os lugares-comuns, esta não se estende ao âmago da narrativa que as usa.

É enganoso, por exemplo, o fato de o personagem brasileiro distanciar-se de clichês, não sendo alguém malandro ou descolado, pelo contrário, apresentando-se como um jovem amedrontado e de baixa autoestima. Isso, porque em, ao menos, duas oportunidades as rápidas concatenações dele são embaladas por sambas e outros timbres carnavalescos. A inclinação pelos estereótipos também seria provavelmente mais sobressalente nos colegas de outros países se eles não fossem reduzidos a meros instrumentos da jornada da protagonista, ficando, assim, expostos à redução contraproducente de suas subjetividades a um nível básico e insuficiente. Portanto, Boas Intenções passa relativamente longe de posicionar-se politicamente, uma vez que, apesar dos muitos indícios atrelados à presença de imigrantes na França, inclusive a natureza do marido, Ajdin (Tim Seyfi), tudo está a serviço da observação dessa mulher que oscila entre a pura abnegação e o preenchimento banal dos vazios existencial e emocional com as causas que lhe parecem nobres e válidas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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