Crítica

Futebol é como a caixa de chocolates do Forrest Gump: capaz das mais diversas surpresas e você nunca sabe o que vem dentro. São tantas histórias, jogos e personagens que é difícil colocar tudo em um espaço de noventa minutos. Seja no campo ou na tela grande. O cineasta Ugo Giorgetti sabe disso, e justamente por este pensamento estar vívido que nunca chegou a ser sua pretensão em Boleiros 2: Vencedores e Vencidos, continuação do longa lançado em 1998 e que chegou às telas quase uma década depois. O problema do filme não é, portanto, a falta de material, mas a visível dificuldade em selecioná-lo.

Se enquanto a bola está rolando a emoção é constante, o antes e o depois do jogo também possuem seus méritos. E é sobre isto que o filme trata: se vê muito pouco futebol no filme, mas há em abundância seres que orbitam em torno do planeta bola, tanto no estádio quanto nos bastidores. Num bar recém comprado por um jogador da seleção brasileira, encontram-se os mais diversos tipos: ex-atletas que relembram seus tempos áureos, o escritor que deseja registrar estas memórias, o agente ambicioso, o empresário picareta, o esportista que quer uma nova chance, a jornalista que não entende nada do assunto. Com tantos elementos diferentes, talvez a mistura ficasse interessante. Mas faltou um técnico com um olhar mais clínico que conseguisse coordenar a estratégia da partida.

Primeiro: se perde muito tempo em tramas pouco envolventes, como a do irmão criminoso do jogador famoso, a do atleta esquecido que veio do México ou a do malandro argentino que finge ser filho de um amigo do dono do estabelecimento. Outros pontos de interesse também poderiam render mais, como o padre gaúcho fanático pelo time do Grêmio, as maria-chuteira desesperadas pelo novo ídolo ou o novato em busca de uma oportunidade. Mas estes acabam passando desapercebidos, servindo mais como composição de cenário do que realmente influenciando na trama.

Por outro lado, Boleiros 2 vem para ajudar a preencher uma lacuna importante na cinematografia nacional: o filme de ficção que fala desta paixão nacional. Poucos foram os exemplares de destaque, como a cinebiografia Garrincha: Estrela Solitária (2003), baseada na trajetória real do demônio das pernas tortas, além dos documentários Pelé Eterno (2004) e Todos os Corações do Mundo (1995), o filme oficial da Copa do Mundo de 1994 dirigido pelo brasileiro Murilo Sales. São todos enredos baseados em documentação verídica, ficcionalizada ou não. O díptico Boleiros, no entanto, é pura criação, inventividade artística a serviço de uma atividade que muito já fez pelo país, tanto aqui dentro como no exterior. Um reconhecimento justo, ainda que o resultado não esteja à altura das conquistas nacionais verificadas em campo.

Ao lado da iniciativa louvável, um verdadeiro time de atores acima de qualquer suspeita compõe um elenco majoritariamente irrepreensível. Adriano Stuart e Flávio Migliaccio se destacam como os jogadores das antigas, mas Lima Duarte, Duda Mamberti e Denise Fraga também tem seus bons momentos, assim como Otávio Augusto, Paulo Miklos e Fernanda D’Umbra. No mais, uma trilha sonora equivocada, um roteiro irregular, que alterna situações envolventes com outras completamente aborrecidas, e uma edição que em nada lembra o virtuosismo de um certame futebolístico, terminam por enterrar a paciência e a atenção do espectador.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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