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Sinopse
Bolero: A Melodia Eterna se passa em 1928, em Paris, França, quando a dançarina Ida Rubinstein encomenda a Maurice Ravel a música para seu próximo balé. Enfrentando uma crise de inspiração, o compositor revisita os capítulos de sua vida. Seleção oficial do Festival Varilux de Cinema Francês 2024.
Crítica
Maurice Ravel (Raphaël Personnaz) é um compositor de personalidade rígida, um cartesiano de carteirinha. A primeira informação que a cineasta Anne Fontaine nos dá a respeito dele em Bolero: A Melodia Eterna é o seu fracasso acadêmico. O público sabe que está diante de um artista reconhecido, especialmente por seu Bolero (a peça mais célebre de sua obra). Desse modo, fica implícita a ideia de “os gênios tendem a ser incompreendidos em suas épocas”. No entanto, isso é rapidamente abandonado em prol de uma investigação mais ampla desse homem sexualmente reprimido, amorosamente frustrado e que cavou conscientemente a sepultura da sua vida social. O longa-metragem selecionado para o Festival Varilux de Cinema Francês 2024 é repleto de boas sacadas, de perspectivas interessantes e possibilidades para dissecar o homem bem como o artista. No entanto, parece que a realizadora (também autora do roteiro em colaboração com Claire Barré) ainda assim cai numa armadilha comum às cinebiografias: tentar abraçar o mundo, no sentido de abrir vários caminhos visando atingir a complexidade. As intenções são as melhores possíveis, mas o resultado, embora competente, deixa a sensação de pot-pourri, ou seja, de uma coleção de temas e episódios indicativos. Falta de um interesse específico, aquele ponto fundamental a partir do qual todos os demais podem ser considerados.
Bolero: A Melodia Eterna é aquilo que os críticos da revista Cahiers Du Cinéma chamariam pejorativamente nos anos 1950 de “cinema de qualidade”. Um elenco adequado, figurinos e demais componentes cenográficos apropriados à reconstituição de época, uma personalidade relevante para chamar a atenção do público e tudo bem esclarecido em diálogos eficientes, mas pouco instigantes. Há vários filmes possíveis dentro dele, um mais provocativo do que o outro, mas todos asfixiados em suas potencialidades únicas por essa abordagem resumida. Temos ali a história do homem incapaz de externar apropriadamente os seus sentimentos, seja a paixão não consumada por Misia (Doria Tillier) ou mesmo as consequências da repressão sexual. Mesmo nos bordeis, Ravel não solicita das prostitutas mais do que abraços e gestos que o lembrem da amada à qual ele não se declara (por que, mesmo?). Anne Fontaine poderia capturar todos os dramas do personagem a partir dessa sublimação da paixão e da carnalidade, mas prefere fazer dessa perspectiva apenas uma entre várias. Por exemplo, ela não enfatiza que há uma enorme defasagem perceptiva entre Ravel e o trabalho artístico da bailarina, simplesmente, porque a ele a compreensão do corpo é meramente intelectual. Essa noção está ali, à disposição dos olhares um pouco mais atentos, mas não ganha a atenção merecida dessa direção apenas competente.
O que falta a Bolero: A Melodia Eterna é senso de prioridade e, quem sabe, também aproveitar melhor certas observações. Algumas delas acabam caindo em desuso ao longo do filme, mesmo as apresentadas como algo de suma importância. Nesse sentido, se destaca a sensibilidade de Ravel para os sons do mundo, às melodias cotidianas que o ouvido privilegiado do compositor ressalta em meio ao alarido de Paris. Em momentos pontuais da trama, Anne Fontaine faz questão de mostrar o protagonista distinguindo beleza em meio à cacofonia de uma cidade repleta de som e fúria, como quando filma Ravel se deleitando com as sonoridades de uma fábrica ou ainda quase morrendo ao se aproximar do parapeito de um prédio a fim de ouvir melhor o som do vento batendo no telhado. E, no fim das contas, para que servem essas cenas? Simplesmente para sugerir uma sensibilidade aguçada. O problema é que Anne perde de vista facilmente as consequências da personalidade obsessiva desse sujeito. Então, a quase morte é sublinhada como “o limite que Ravel está disposto a cruzar em busca da beleza” quando, na verdade, a essência é “a fixação desmedida de um homem que passa o filme todo exibindo sintomas de obsessão”. A realizadora tem a faca e o queijo na mão para fazer do filme um retrato desse homem vitimado pelas próprias compulsões e impossibilidades, mas às vezes ela declina.
O grande destaque de Bolero: A Melodia Eterna é o trabalho de Raphaël Personnaz à composição do protagonista. É consistente e crível a interpretação do francês, sobretudo a forma como ele elabora cenicamente as amarras emocionais e psicológicas do personagem e como isso afeta de maneira drástica todas as suas decisões. O olhar sofredor do sujeito preso às próprias obsessões é um dos indícios não verbais da essência de Maurice Ravel, desse compositor brilhante que, como os meros mortais, enfrentou barreiras para se expressar de maneira adequada. E esses obstáculos são apontados quando Ravel precisa compor a canção para um balé – esse tema é o Bolero. Em vez de mergulhar vertiginosamente num processo doloroso de criação atrapalhado pelo bloqueio, Anne prefere seguir mostrando Ravel diante da amada a quem não se declara, sofrendo pela ausência da mãe, tendo dificuldades para se relacionar com um mundo incapaz de compreendê-lo, etc. Portanto, a realizadora não consegue incorporar os itens antes mencionados sem continuar os reiterando sem muitas variações. A cineasta faz continuamente as mesmas perguntas e oferece respostas semelhantes a respeito do seu objeto de estudo, com isso logo esgotando a sua abordagem. Em busca de uma imagem resumida e geral sobre o artista notável/homem reprimido, Anne faz um bom trabalho, ainda que nunca instigante o suficiente.
Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês em outubro de 2024.
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