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Crítica


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Sinopse

Yulia sai de uma cidade mineradora para tentar a carreira de bailarina em Moscou. Ela logo encara uma realidade duríssima, na qual a necessidade de praticar é equivalente à resiliência solicitada de quem deseja vencer na vida.

Crítica

O mundo do balé é frequentemente utilizado pelo cinema para ambientar histórias de superação e/ou de obsessão. De certo modo, nessa busca desgastante pela perfeição, tentativa de roçar os dedos no sublime por meio da arte, há a possibilidade de apresentar trajetórias próximas aos contos de fadas ou aos pesadelos, para essa diferenciação dependendo a prevalência do sucesso ou do fracasso. Bolshoi é um apanhado de lugares-comuns desses filmes cujas tramas principais se passam num universo bem peculiar. Yuliya Olshanskaya (interpretada na infância por Ekaterina Samuilina e na adolescência por Margarita Simonova) começa a carreira artística empurrada por um antigo prodígio que se transformou num alcoólatra amargurado ao longo dos anos. Adiante, o destino melancólico de quem antes brilhou nos palcos é igualmente perceptível como fruto de uma perversidade atrelada à passagem do tempo, isso por conta do homem prestes a se aposentar. Existe também uma lenda viva atualmente desempenhando a função de instrutora carrasca, mas que guarda um segredo encarregado de deflagrar a sua fragilidade. Pena o longa não se aprofundar tanto nessas pessoas.

Bolshoi tenta ingloriamente condensar vários atravessamentos inerentes ao balé em suas pouco mais de duas horas de duração, para isso saltando de uma subtrama a outra, supostamente resolvendo determinadas questões, mas sem conferir a elas tempos suficiente para amadurecer. Como estudo de personagem, o filme de Valeriy Todorovskiy se mostra equivalentemente frágil. Além disso, curiosamente sobra pouco da pequena Yuliya na versão prestes a chegar à vida adulta. Enquanto criança, ela é impetuosa, sempre com uma resposta na ponta da língua para desafiar regras e postulados, com isso angariando a simpatia daqueles que enxergam beleza na rebeldia. Já mais tarde, vira uma jovem quase introspectiva, numa transformação não sustentada pela jornada dramática que a levou de um ponto ao outro. Num momento, o enredo se estabelece justamente sobre as bases desse crescimento mediado pela necessidade de disciplinar-se. Na sequência imediata, o foco se desloca, por exemplo, à diária rivalidade com a amiga Karina (interpretada na infância por Anastasiya Plotnikova e na adolescência por Anna Isaeva). Essa grande vontade de abraçar o mundo empalidece as coisas.

Outro indício da displicência com a qual Valeriy Todorovskiy trata as articulações e os desenvolvimentos é a personagem Galina Beletskaya (Alisa Freyndlikh). Veterana que conduz as aulas na academia de balé com mão de ferro, esconde um estado de saúde deteriorada que a faz ter lapsos severos de memória. Yuliya surge como aliada improvável uma vez exposta essa circunstância encoberta, chegando a sacrificar a própria imagem pública para não denunciar a enfermidade da professora. No entanto, Bolshoi não investiga o posicionamento ético da protagonista, tampouco confere substância ao vínculo restrito à luta da veterana para o talento da iniciante ser reconhecido. A realizadora utiliza as lacunas na memória da mestra de forma conveniente, lançando mão delas como subterfúgios narrativos que não se sustentam para além da função esporádica. Galina parece conseguir controlar em quais momentos pode se esquecer e em quais é urgente lembrar-se – algo inconsistente, vide que sua condição não é orientada pelo querer, mas por uma impossibilidade. Assim como outros apontamentos, esse sai de cena sem a mínima cerimónia, servindo apenas como um residual.

A disputa entre Yuliya e Karina é outra dimensão superficial em Bolshoi. Valeriy Todorovskiy não se prende às nuances ao mostrar a oscilação entre o companheirismo e o ímpeto de vencer a qualquer custo. Uma vez que as personagens não são aprofundadas psicológica e socialmente, seus comportamentos soam levianos, pouco embasados, abruptos e condicionados pela necessidade de gerar outro protocolo concernente ao universo do balé. A escolha de O Lago dos Cisnes, espetáculo dramático criado por Piotr Ilitch Tchaikovski, fartamente utilizado para salientar a dualidade, soa como clichê mal injetado, pois pouquíssimo justificado pela observação apressada de um dualismo vigente. O suborno da menina pobre levada a desistir momentaneamente dos sonhos por força da urgência familiar (desajeitada, diga-se por sinal); o dilema do apaixonado que erra o movimento por receio de tocar no corpo da amada; a luta da colega que não aguenta suprimir o volume dos seios; entre outras instâncias, são tratadas como simples peculiaridades. A realizadora penhora os atributos de personalidade para encaixar-se num panorama comum das produções sobre balé.

Filme visto online no 1º Festival de Cinema Russo, em dezembro de 2020.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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