Crítica
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Sinopse
Crítica
Christian (Gard Lokke, de O Troll da Montanha, 2022) é um homem solitário. Ou quase isso. Sua condição não chega a atormentá-lo. Afinal, é ainda um rapaz jovem, com muito dinheiro – aparentemente, herdou uma fortuna deixada pelos pais, falecidos em um acidente – e alguns hobbies. Entre eles está o prazer em cozinhar, passando horas ocupado com o preparo de pratos elaborados não apenas para si, mas também para Frank, o cachorro de estimação. Uma hora, no entanto, tais ocupações não se mostram mais suficientes, e a busca por uma companhia se tornará imperativa. Assim como tantos ao redor do mundo, Christian irá recorrer aos aplicativos de relacionamentos para encontrar uma garota que lhe agrade. Sigrid (a estreante Katrine Lovise Opstad Fredriksen) acaba sendo a escolhida, e o encontro dos dois se mostra tão agradável que se estende de um café para um jantar, de uma visita para uma noite juntos. Somente no dia seguinte, ao acordarem, é que a real situação de Bom Garoto finalmente se instaura. É quando Sigrid se depara com Frank. E quem ela vê não é um animal, mas um homem fantasiado como tal, que se comporta e se comunica como um. Uma estranheza que está longe de se resumir a isso, delicado equilíbrio alcançado com cuidado pelos realizadores.
A situação, como se vê, é, no mínimo, curiosa. O mais interessante, no entanto, é que o diretor e roteirista Viljar Boe não faz questão de manter mistério quanto a isso. Por mais que a garota só perceba onde se meteu no dia seguinte, a audiência estará a par dessa dupla improvável desde o início da projeção. O filme começa com Christian preparando o almoço não apenas para ele, mas também para Frank, e é este homem de quatro, que se expressa por meio de latidos, que surge no fim do corredor para comer sua ração. Seria fácil imaginar um contexto sexual para essa relação. Estariam Christian e Frank em meio a uma dinâmica sadomasoquista, de dominador e submisso? O conceito de puppy play não chega a ser, exatamente, uma novidade. No videoclipe da canção Erotica, de 1992, Madonna já aparecia ao lado de um rapaz que usava uma máscara canina, simulando esse comportamento – há mais de trinta anos, portanto. Porém, em Bom Garoto, tal envolvimento atinge um novo patamar.
Afinal, parte-se do pressuposto que tanto um quanto o outro – ou seja, o dono e cachorro – façam parte de um fetiche, e ambos estejam ali por vontade própria, cada um satisfeito com o papel que lhe convém. Algo não muito semelhante ao que se vê por aqui. Se assim fosse, onde estaria o mistério e por quanto tempo persistiria o desconforto provocado a partir do encontro entre Sigrid e Frank? Assim que se depara com tal quadro, a reação dela não poderia ser mais natural: sem conseguir compreender, trata de ir embora o mais rápido possível, desfazendo em questão de segundos o castelo de fantasia que havia criado em sua mente sobre um possível namoro com aquele cara tão envolvente, mas como se vê, dono de um ‘segredo’ nem um pouco convencional. Duas explicações, porém, irão abalar sua certeza. Pra começo, há os esclarecimentos dele, que afirma conhecer o homem por trás da máscara de Frank desde a infância, que este teria perdido toda a família – assim como ele, e, por isso, a empatia que um nutre pelo outro – e que, uma vez se portar de tal forma tenha sido um desejo expresso do amigo, a ele caberia apenas respeitar.
Mas há mais. Ao chegar no dormitório da faculdade onde mora e estuda, Sigrid relata o ocorrido a uma colega que a alerta sobre quem é este homem que ela acabou de conhecer: trata-se de um milionário, dono de um passado trágico (graças à perda dos pais) e que, portanto, poderia merecer um esforço de compreensão – que, por sua vez, provavelmente seria recompensado com uma vida de luxos e mordomias. Nada mal, não é mesmo? Dessa forma, certas hipocrisias vêm à tona. Como aquilo que lhe causou tanto espanto e repulsa tão rapidamente passa a ser relativizado, principalmente pela introdução de uma questão financeira no contexto – e o que ela poderia ganhar uma vez que concordasse com essa concessão? E o homem-cachorro, o que recebe através do status que desfruta? Se não há sexo entre os dois homens, seria lógico concluir que irá diminuir a atenção por Frank recebida, uma vez que Christian está em busca de uma parceira. A dúvida, portanto, está justamente nesse movimento: seria essa nova companhia pensada para ele, o dono da casa? Ou o espaço a ela destinado a ocupar estaria em um outro cômodo daquele ambiente?
Eis, portanto, como o suspense de Bom Garoto se desenvolve: pela inesperada e constante mudança de paradigmas. Um homem e seu cachorro. Um casal em um encontro romântico. O homem fantasiado. A mulher em fuga. A volta visando uma concordância em nome de um lucro futuro. Um trio que parece não se encaixar, e por isso mesmo, por muito não deverá se sustentar. E quando esse cenário não poderia se mostrar mais incômodo, Boe se revela ainda mais transgressor, disposto a radicalizar a proposta por ele desenhada desde o princípio. O que se tem é um filme interessado não em acomodar os elementos reunidos, mas, pelo contrário, o que busca é reverter essas expectativas. Ao mesmo tempo em que não desvia de desdobramentos fáceis de serem antecipados, também não se contenta em entregá-los conforme o esperado, investindo nos mesmos além do imaginado e cruzando fronteiras até então aceitáveis em nome de algo ainda mais perturbador. Provocação essa que, longe de gratuita, garante sua permanência distante de uma mediocridade conformadora tão presente no gênero, aqui enfim disposto a respirar novos ares.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Ticiano Osorio | 7 |
MÉDIA | 7 |
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