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Sinopse

Um industrial oferece dinheiro a um de seus empregados para que ele se case com sua filha de 17 anos, vítima de um violento estupro. O rapaz, indeciso entre o enriquecimento fácil e a fidelidade aos seus sentimentos por uma jovem de sua classe social, a qual será envolvida pelo mundo inescrupuloso dos ricaços, desmascara a ingenuidade da menina oferecida.

Crítica

Levado às telas pela primeira vez em 1963 com Odete Lara, Jece Valadão e Lia Rossi (no papel título), o texto clássico de Nelson RodriguesBonitinha Mas Ordinária ou Otto Lara Rezende, se tornou de fato popular com o grande público na versão de 1981, estrelada por Vera Fischer, José Wilker e Lucélia Santos, esta como Maria Cecília, a adolescente que, após sofrer um abuso sexual numa cena de curra com vários homens negros que marcou época, precisa aceitar um casamento arranjado pela família para limpar o bom sobrenome. Pois este mesmo texto volta agora às telas em Bonitinha, Mas Ordinária, produção que desde o seu anúncio tem despertado receio e desconfiança do cinéfilo nacional.

Tem-se a favor os protagonistas da nova versão serem João Miguel e Leandra Leal, dois profissionais de talento mais do que comprovado. No entanto, a escalada para o forte papel da ‘bonitinha’ é Letícia Colin, uma jovem com forte histórico televisivo, porém pouca experiência na tela grande. Para piorar a situação, o diretor é Moacyr Góes, que já fez um estrago no texto de Machado de Assis em Dom (2003) e que, desde então, só tem realizado longas religiosos (Maria, Mãe do Filho de Deus, 2003) ou com a apresentadora Xuxa (Xuxa Abracadabra, 2003). E a informação adicional de que o filme levou uns cinco anos para ser lançado nos cinemas, após sua finalização, colabora para que as piores expectativas se instaurem. Problemático, no entanto, é conferir a obra e perceber que tudo pode ser ainda pior do que o esperado.

Moacyr Góes se equivoca em diversos aspectos com o seu Bonitinha Mas Ordinária. Diretor de vasta experiência teatral, chega a ser curioso notar sua falta de habilidade em extrair dos seus atores uma boa interpretação. Miguel, no papel do homem pobre convidado para casar com a menina rica, porém não mais pura, tenta fazer o seu melhor, mas lhe carece uma orientação precisa que o ajudasse a encontrar o equilíbrio entre o desespero e o histriônico. Pior ainda está Leandra, que mais parece uma neurótica suburbana afetada, ao invés da moça dona de fortes conflitos éticos e morais das versões anteriores. Gracindo Júnior, como o grande corruptor, possui alguns momentos convincentes, ainda que pudesse ter ido além caso seu personagem tivesse sido melhor definido. Já a menina Colin, que na época das filmagens tinha apenas 18 anos, se situa na fronteira entre o insuportável e o medíocre. Cada participação sua – felizmente são poucas – beira o risível.

É preciso ter clareza e discernimento para entender que o texto de Nelson Rodrigues possui muita força, mas não chega a ser intocável. E é justamente o que Góes consegue fazer – novamente: desconstruir um clássico da forma mais constrangedora possível. Suas opções estéticas, como o fato do filme inteiro ser fotografado através de close ups nos atores, esvai a força do recurso, aproximando-o de uma linguagem que não se restringe ao televisivo, cabendo-lhe uma performance amadora. Outra opção, de tentar transpor o drama original para os dias atuais, oferecendo um pulo de tempo de mais de meio século, acaba não funcionando, pois modernizou-se os figurinos e os cenários mas não os valores sociais, o que gera um estranhamento ainda maior.

Bonitinha, Mas Ordinária é um filme que está longe de ser bonito, ainda que seja do tipo mais ordinário imaginado. Ao desperdiçar um bom elenco e, principalmente, um texto denso e perturbador numa proposta gratuita de exploração sexual voyeurística, perde-se a oportunidade de se discutir a degradação de certos setores da nossa sociedade contemporânea, como se os problemas de outro século ainda repercutissem nos dias se hoje sem nenhum agravamento ou necessidade de contextualização. Há longas que são apenas ruins, mas de forma inocente, ingênua. E há aqueles perniciosos, inconsequentes e deliberadamente mal executados. Infelizmente, aqui estamos discutindo este segundo caso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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