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Sinopse

Claire trabalha no hotel de seu falecido pai, obedecendo diretamente às ordens de sua madrasta, a administradora atual do empreendimento. Sua vistosa beleza causa inveja. A inveja, por sua vez, leva à agressividade que afasta a protagonista do seu cotidiano, lançando-a numa nova realidade em que ela dará vazão aos seus desejos.

Crítica

A atualização de um conhecidíssimo conto de fadas, por meio de elementos contemporâneos e desdobramentos diversos enxertados numa trama, em linhas gerais, há décadas tornada célebre, passa em Branca Como a Neve também pelo diálogo circunstancial e frágil com a fábula. A cineasta Anne Fontaine não busca a criação de um terreno duramente aferrado à realidade, assim mantendo, abertamente, determinadas dimensões dela descoladas. Todavia, essa investida para gerar um diálogo formal passa longe de ser exitosa, especialmente por conta da frouxidão crescente que vai tornando a releitura desinteressante, quando muito desprovida de força dramática. Claire (Lou de Laâge) é a gata borralheira que trabalha no hotel do falecido pai, agora sob as ordens da madrasta, Maud (Isabelle Huppert). Antes do sequestro e da tentativa de seu assassinato por uma desconhecida, ela é pouco mais que uma presença anódina, sem nuances, pois com pequeno espaço para expor-se. Por isso, adiante, são fúteis as repetidas menções à "radical e visível" mudança.

Branca como a Neve obviamente busca se aproveitar do nosso imaginário amplamente nutrido ao longo das décadas. Para isso, lança de modo pontual alguns vislumbres de elementos e/ou situações diretamente retirados do enredo da Branca de Neve. Quando Claire e Maud se juntam frente ao espelho, por exemplo, fica evidente a ligação com o famoso trecho “espelho, espelho meu”, ocasião em que a mulher madura explode em fúria por força da constatação de que não é a mais bela e desejável. A posição almejada atualmente é da enteada. Porém, são poucas as passagens do longa-metragem que extrapolam o seu sentido frontal, que se nutrem com astúcia dos diversos componentes bastante disseminados em livros, peças, filmes e toda sorte de suportes inspirados pela história derivada da tradição oral alemã, cuja fama global se deu em virtude da animação da Disney lançada em 1937. No mais das vezes, essa ponte com a lenda é superficial e o todo rapidamente cai num terreno cansativo e insosso. Há, ainda, o desperdício de um elenco muito talentoso.

Ao invés de ser ajudada por anões, Claire escapa da morte por conta de um homem que posteriormente lhe oferece guarita. A dinâmica com esse personagem vivido por Damien Bonnard é tão esquemática quanto o desdobramento das interações com o gêmeo deste. A realizadora permite que o filme caia num terreno absolutamente banal, repetidas vezes, vide a cena da protagonista se aproximando lascivamente do sujeito que lhe hospeda. É evidente que o mutismo do anfitrião aponta a algo previamente telegrafado, à confusão entre os irmãos que, a bem da verdade, não gera nenhum efeito, a não ser sublinhar a gradativa liberdade sexual da forasteira. Pouco a pouco, ela vai enredando os locais com sua beleza esfuziante, se entregando às vontades livremente, ou seja, quebrando um ideal canhestro de pureza, mas sem porquês consistentemente estabelecidos. Nesse caminho pedregoso, o filme não celebra a liberdade da “princesa” e, tampouco, observa atentamente as vulnerabilidades, muito pelo contrário, criando espaços de satisfação bem mais masculinos.

Isabelle Huppert está no piloto automático. Sua Rainha Má não expõe solidamente os motivos para perseguir mortalmente Claire. A atriz, sequer, dá conta de criar uma figura ameaçadora. Não faz sentido, ainda, a divisão em três capítulos – um para cada mulher e o terceiro intitulado “Branca de Neve” – pois neles, ao contrário do que se pode supor inicialmente, não há um sempre privilégio à perspectiva de uma delas. Branca como a Neve  é uma bagunça lenta, demarcada pelo desempenho intenso de Lou de Laâge, este mais por conta da entrega física, do ímpeto de expressar a prevalência do desejo sobre a racionalização e/ou a moral, do que necessariamente em função de uma construção profunda que, a bem da verdade, não está presente em qualquer esfera do filme. Tirando os instantes de exceção, em que Anne é feliz manter o conjunto permeável à fábula do qual se alimenta às vezes desbragadamente, o todo é um esforço engessado e pouco criativo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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