Branca de Neve (2025)

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Sinopse

Em Branca de Neve, a Rainha Má morre de ciúmes da beleza de sua enteada e, por isso, manda matá-la. Logo, descobre que a jovem não morreu e está morando na floresta com sete pequenos amigos. A bruxa, então, trama um plano maligno. Com Rachel Zegler e Gal Gadot.

Crítica

Muito tem se falado das adaptações em live action dos clássicos animados dos Estúdios Disney, e quase três décadas se passaram desde 101 Dálmatas (1996), o sucesso – mais de US$ 300 milhões nas bilheterias para um investimento cinco vezes menor – que deu origem a uma febre que, até o momento – ao menos oficialmente – já levou às telas nada menos do que 23 títulos diferentes. E se alguns foram recebidos com indiferença (o Pinóquio, 2022, de Robert Zemeckis, é certamente um dos pontos baixos de sua carreira, enquanto poucos devem sequer saber que existe um Peter Pan e Wendy, 2023), a grande maioria se mostrou grandes acertos – Alice no País das Maravilhas (2010), A Bela e a Fera (2017), Aladdin (2019) e O Rei Leão (2019), por exemplo, passaram do US$ 1 bilhão de arrecadação ao redor do mundo. Nada disso teria sido possível, no entanto, se Branca de Neve e os Sete Anões (1937), o marco inaugural dos empreendimentos de Walt Disney, não tivesse dado tão certo. Poucos, no entanto, chegaram a imaginar que Branca de Neve, sua versão “com gente de carne e osso” (ou quase isso), daria... tão errado!

E se falamos em equívocos, esses se devem mais às questões extra-fílmicas e às expectativas geradas do que, necessariamente, em relação ao que se vê em cena. Pois a transposição comandada por Marc Webb está longe de ser tão problemática quanto se tem apontado desde que os primeiros teasers e trailers começaram a circular pela internet. Porém, em um mundo cada vez mais binário, como fazer frente ao embate entre as protagonistas Rachel Zegler (pró-Palestina) e Gal Gadot (uma ex-militar do exército israelense)? Em uma realidade cada vez mais ditada por bandeiras voltadas às minorias, como justificar a ausência de pessoas com nanismo – perceba que a própria expressão “anões”, não mais aceita, foi eliminada do título original – no elenco, tendo estes sido substituídos por “figuras mágicas” criadas por... CGI (!)? Em um contexto político conservador que parece retroceder a passos largos em tantos avanços igualitários desde o retorno ao poder do presidente norte-americano de cara laranja, como lutar por personagens negros e latinos, por uma maior relevância dada aos anseios e participações femininas (não há aqui “mocinhas” precisando ser salvas, e sim guerreiras lutando em pé de igualdade) ou mesmo validar a rebeldia do povo por meio de uma visão justa de direitos e deveres sociais?

Como se percebe, talvez fosse pedir demais, de qualquer forma. E Webb, por mais bem-intencionado que possa ser sua postura, não parece ser a pessoa apropriada para o trabalho. Afinal, é ele o responsável pelos dois longas do Homem-Aranha que todo mundo faz questão de esquecer (aqueles estrelados por Andrew Garfield), e se desde 2017 ele não dirigia nada além de episódios de seriados, algum motivo para esse refúgio deveria existir. As escolhas de Gadot e Zegler, por outro lado, refletem tantos os maiores acertos, como os mais inegáveis transtornos da produção. Assim como muitos dos seus similares tornados realidade por meio da mesma motivação – reviver a magia de clássicos infantis através de uma abordagem dita contemporânea – Branca de Neve é inegavelmente um musical. E se a estrela de Amor, Sublime Amor (2021) entoa sem tropeços melodias que pouco lhe exigem, o mesmo não pode ser dito da Mulher-Maravilha (2017) desprovida do seu laço da verdade. Por mais que o conjunto tente defendê-la – há apenas dois números sob seu comando – o fiasco é tamanho que nem os mais apaixonados conseguirão defendê-la.

Mas é importante também reconhecer que o material não era dos melhores. Justin Paul e Benj Pasek, a dupla vencedora do Oscar por La La Land: Cantando Estações (2016), teve um segundo acerto com O Rei do Show (2017), mas projetos como Lilo, Lilo Crocodilo (2022) e Spirited: Um Conto Natalino (2022) foram, no mínimo, esquecíveis. A mesma sina, enfim, agora se repete. Com a provável exceção de “Princess Problems”, todas as demais composições servem apenas para estender a trama, sem acrescentar algo de válido ao conjunto. Bom, quando a canção mais marcante do remake segue sendo “Heigh-Ho” – a clássica “Eu vou, eu vou...” presente também no longa original – fica mais do que evidente a palidez das novas melodias. Isso até poderia ser um problema menor, não fossem tantos os demais ruídos ao redor. O príncipe foi transformado em uma versão de Robin Hood das florestas, a inveja da Rainha Má nunca chega a se justificar – ela tem raiva da “beleza” da enteada, como a tradução brasileira aponta, ou seria um despeito pela garota ser vista como mais justa e sensata, em uma tradução literal do seu pedido ao Espelho Mágico (“Magic Mirror on the wall, who’s the fairest of them all?”) – e mesmo o Bosque Mágico surge como que desprovido de uma lógica interna (um lugar com animais inteligentes, mas um destino incapaz de proteger a princesa de sua inimiga?). Atira-se para muitos lados, e poucas dessas intenções são, de fato, atingidas.

Se há poucas mudanças no roteiro em relação ao texto há muito conhecido, a redação de Erin Cressida Wilson – que desde o frustrante A Garota no Trem (2016) não marcava presença nas telas – parece ter se guiado mais por uma vontade de transformar uma narrativa atemporal em um manual do politicamente correto. Se bem feito, seria merecedor de palmas e reconhecimento, pois do exemplo vem a ação capaz de fazer diferença. Porém, em Branca de Neve, o que se confirma é um discurso que se sobrepõe ao enredo, esquecendo que, acima de tudo, o que se espera é uma boa história capaz de envolver, divertir e provocar reflexão. Por sua vez, o que o público é convidado a se deparar se resume a um conjunto de novidades deslocadas, dentre as quais o que se destaca é aquilo já digno de atenção há quase um século. Depois das versões recentes – e não oficiais – estreladas por Julia Roberts e Charlize Theron, era de se esperar que alguma lição tivesse, ao menos, permanecido. Pelo jeito, ainda não foi dessa vez.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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