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Sinopse

Um dia, Tania recebe uma ligação dizendo que sua avó morreu. A mulher trans se reúne com os dois melhores amigos, Daniela e Pedro, para viajarem até o local do enterro, quando descobrem que a falecida passou os últimos anos de sua vida na companhia de um amigo inusitado: um pequeno alienígena roxo. O último pedido da avó era que Tania levasse a criatura de volta ao local onde foi encontrada. Começa uma jornada para o trio de amigos.

Crítica

De certa forma, Breve História do Planeta Verde faz da quase inexistência de estranhamento interno um manifesto contrário à naturalizada e torpe espetacularização. Enlutada por conta da morte de sua avó, Tania (Romina Escobar), mulher transexual que atraí olhares desejosos por onde passa, decide ir à casa da falecida para se encarregar de tudo que sobrevém ao passamento de um ente querido. Diante da inusitada revelação de que a parenta conviveu durante muito tempo com um extraterrestre – e são engraçadas as montagens da senhorinha interagindo doméstica e publicamente com o ser de outro planeta –, ela praticamente não apresenta surpresa. Fosse apenas ela destituída da propensão ao choque, o filme esquadrinharia um fenômeno particular. Mas não é isso que acontece, uma vez que seus dois companheiros de viagem, Daniela (Paula Grinszpan) e Pedro (Luis Soda), tampouco se escandalizam quando confrontados por algo ou alguém divergente da paisagem natural. A trinca empreende uma jornada para tentar salvaguardar o ET.

Essa fábula que tangencia o nonsense mostra representantes de esferas distintas. Tania é transexual, Pedro é homossexual cisgêneo e Daniela é atende ao padrão de heteronormatividade. Para além do preenchimento de vagas a fim de conferir ao conjunto uma aura de diversidade, essa disposição é esquemática, com o agravante da utilização de lugares-comuns, como a mulher, em meio ao chamado à maternidade, que propõe ao amigo gay uma transa para fins de procriação. Os personagens de Breve História do Planeta Verde deambulam por cenários campesinos e urbanos, assim aludindo à tradição dos road movies, com interações que oscilam entre a superficialidade e a tentativa de fazer jus ao absurdo prevalente. Nenhum interlocutor fica abismado quando eles abrem a mala em que carregam o alienígena, assim revelando o extraordinário. Tal reação é um evidente gatilho simbólico, como se diante da realidade dantesca, como a nossa, nada fosse surpreendente de todo.

Breve História do Planeta Verde, contudo, não consegue se sustentar apenas na aura lírica desses deslocamentos influenciados por seres estranhos de cabeças cônicas e corpos pintados de preto. As figuras em cena são rasas, carente de camadas, restringindo-se à demonstração da convivência entre pessoas que têm mais em comum do que diferenças. O diretor Santiago Loza demora a oferecer qualquer informação acerca dos elos que sustentam a relação de Tania, Daniela e Pedro, preferindo desvelar a natureza desse vínculo de forma meramente expositiva, verbalizada de uma só vez. No curso de uma estrada sinuosa capturada pela câmera ouve-se, em off,  os três mencionando a amizade que vem dos tempos de escola, quando a transexual ainda se chamava Octávio e os meninos sofriam na pele as objeções dos pais quanto ao hábito de brincar com bonecas. Especialmente os coadjuvantes imediatos são privados de profundidade, restritos à sua instrumentalização.

As interpretações ressaltam a inclinação pelo enrijecimento que marca a encenação de Breve História do Planeta Verde. Não há grandes desempenhos, arcos sofisticados ou mesmo um mergulho vertiginoso nos anseios e nas dificuldades das pessoas. A missão de levar o extraterrestre é caracterizada por um abatimento crescente que está necessariamente a serviço da proposta estética. O corpo mais significado é o do visitante de outro planeta, embora deponha contra o impacto de suas aparições (de soslaio) o fato do realizador evitar enquadramentos que o exponham inteiramente. Uma pena que, por exemplo, não tenhamos íntegra a imagem dele sendo amamentado pela prostituta, visão sugerida pelo modo como uma sequência é arquitetada. Também soa artificial o transitar da mala sem peso claro, detalhe que faz a diferença, ainda mais em virtude do vazio crescentemente instaurado. Desejo, paixão e violência, instâncias cujos alimentos vitais são a intensidade e sua capacidade mobilizadora, sucumbem às frágeis metáforas e ao desenvolvimento bastante morno.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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