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Sinopse

Vivendo à própria sorte e recentemente divorciado, Paulo começa a trabalhar como taxista durante a noite, no Rio de Janeiro. Lutando para conseguir dinheiro suficiente para pagar a pensão do filho de 10 anos, Paulo trabalha exaustivamente e, nessa jornada noturna, sempre encontra novos rostos que o ajudam a enfrentar a solidão. Entre essas pessoas, está Karina, uma enfermeira que traz a paz e o amor de volta para sua vida.

Crítica

Entre os milhares de anônimos que transitam diariamente pela cidade do Rio de Janeiro existe Paulo (Fabrício Boliveira). Este poderia ser um homem comum a quem acontecem coisas extraordinárias, “dignas de um filme”, porém o diretor Eryk Rocha parece ter escolhido o taxista como protagonista justamente por sua banalidade. Paulo é negro, de classe média-baixa, ganha o mínimo para sobreviver, e sonha em passar mais tempo com o filho, de quem não tem a guarda. A vida deste personagem se resume ao trabalho, entrecortado por rápidos momentos de repouso em seu pequeno apartamento. Dentro do táxi, ele escuta conversas das quais não participa, convivendo durante um curto momento com passageiros que o ignoram.

Curiosamente, para este retrato de massificação, o filme escolhe estar o mais próximo possível do personagem, reduzindo o mundo ao redor a um caos de ruídos e imagens desfocadas. O elemento que mais chama a atenção em Breve Miragem de Sol é sua direção de fotografia, composta quase exclusivamente de close-ups e planos de detalhe das mãos de Paulo, do dinheiro contado, do taxímetro, dos vidros embaçados. A câmera se cola ao rosto silencioso e cansado, como se buscasse entrar na cabeça deste homem, compreender o que ele mesmo não diz. Se o close-up favorece a expressividade dos atores, aqui ele se torna capaz de captar os gestos mais sutis de Boliveira, a quem parece se pedir, ironicamente, que faça o mínimo possível.

Rocha presa pelo realismo, algo percebido no despojamento dos diálogos, muito bem escritos e encenados, e também na aparência de uma cidade caótica, quente, incontrolável. O cineasta evita qualquer reviravolta abrupta ou momento explicativo: se a vida do personagem se resume à rotina, o filme também se atém à vida no trânsito. Por mais expressivos que sejam os planos próximos, com uma fotografia “suja”, privilegiando o cinzento e a cansativa luz das lâmpadas, em determinado momento o filme transparece a impressão de esgotar seu repertório estético, como se a monotonia do personagem tivesse que ser necessariamente traduzida em monotonia para o espectador. O roteiro está repleto de instantes preciosos de emoção (a chegada para a festa do filho, o encontro com Karina na praia), mas no que diz respeito às imagens, torna-se preso à obsessão pelos rostos e pelos fragmentos.

Se abrisse o enquadramento em alguns momentos, a claustrofobia de Paulo talvez parecesse ainda mais forte, por oposição. É igualmente possível que, se a direção mostrasse outros aspectos da vida de Paulo (os poucos momentos de lazer, sua relação com a família, o trabalho anterior), o personagem adquirisse mais volume. Do mesmo modo, seria compreensível que outros personagens fossem trabalhados, até para fornecer um contraponto e uma rede de conexões a Paulo. No entanto, o filme permanece rigidamente preso a este único homem, com seu corpo cansado e olhos cansados, seu táxi e seu sonho de reencontro com o filho. Sua miragem de sol se encontra não apenas na luz amarelada das lâmpadas e do sol que cega os olhos do trabalhador noturno, mas também o encontro fugaz com uma enfermeira (Bárbara Colen), figura que desaparece de modo tão abrupto quanto apareceu. Este cidadão comum por natureza é tão destituído de poesia que a utopia paterna se traduz no passeio a bordo de um carrinho de bate-bate, mais uma representação do homem ao volante, rodando a esmo. Nem mesmo em sonhos Paulo tem direito a uma escapatória digna deste nome.

Breve Miragem de Sol se encerra como um projeto coerente com sua visão social e suas radicais opções estéticas. A sociedade invade o táxi com seus comentários preconceituosos e desumanos, mas fora do veículo, se transforma numa massa indistinta que representa tão bem o protagonista, mas da qual ele parece não fazer parte. Paulo é um marginal de si mesmo, um pai abandonado, um homem sem real expectativa de melhoria social. Em virtude do falso happy ending, talvez o filme não possa ser descrito como pessimista, porém niilista, descrente em qualquer forma de revolução pessoal ou social. Rocha aborda o cansaço de um mundo viciado que esmaga Paulo como a um Josef K. do século XXI, um homem sofrendo com um sistema opressor sem nome e sem rosto.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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