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Sinopse

Respectivamente administrador de lavanderia e trabalhador de orfanato, Ha Sang-hyun e Dong-soo se apropriam de um bebê abandonado e decidem vendê-lo. No entanto, eles terão a companhia da mãe biológica do recém-nascido.

Crítica

Nos últimos anos, o cinema tem demonstrando um particular interesse pelas chamadas famílias disfuncionais, assim denominadas quando certas necessidades (materiais, afetivas, sociais, etc.) de seus membros não são atendidas, com isso gerando ambientes propícios a traumas de diversas ordens. O japonês Hirokazu Koreeda é reconhecido por ser um cineasta atento à família, núcleo no qual ambienta os seus principais trabalhos. Em Broker: Uma Nova Chance, seu mais novo longa-metragem, pode-se considerar que ele faz o caminho inverso ao dessas tão abordadas trupes disfuncionais, pois apresenta indivíduos em crise separadamente e sugere ao longo da trama a convidativa e esperançosa possibilidade da união familiar como solução. Tudo começa quando Moon So-Young (Lee Ji-eun) deixa o seu filho recém-nascido num caixa onde crianças indesejadas podem ser posteriormente disponibilizadas à adoção ou encaminhadas a orfanatos. Observada por duas mulheres que parecem policiais, ela retorna e se depara com um esquema ilícito de tráfico de pessoas. Diante da proposta de sociedade dos trambiqueiros Ha Sang-hyun (Song Kang-ho) e Dong-soo (Gang Dong-won), So-Young embarca numa viagem a fim de efetivar a venda do menino, logo ganhando dinheiro suficiente para sair da sua miséria. Koreeda faz seu segundo filme fora do Japão, sendo o primeiro deles o francês A Verdade (2019).

Assim como em Assunto de Família (2018), Koreeda prega em Broker: Uma Nova Chance uma inspiradora união entre personagens solitários e desvalidos. Sang-hyun e Dong-soo criam laços transformadores à medida que avançam pela Coreia do Sul em busca de um casal apto a pagar pela aquisição da criança concebida no cenário que ainda comporta um assassinato. Há dois elementos que pressionam a jornada por representar perigo: a polícia no encalço do trio e os gângsteres ligados a essa mãe que se comporta como um animal ferido pelo mundo, e que responde a ele com agressividade. No entanto, este é exatamente o calcanhar de Aquiles do longa-metragem exibido no Festival de Cannes e no Festival do Rio em 2022: os perseguidores nunca impõe uma tensão considerável que comprometa a viagem do trio improvável. Koreeda não parece realmente preocupado com uma injeção de ansiedade nessa caçada que tem pouco de realmente aflitiva, a isso preferindo a lenta construção dos laços na toada dos roadmovies. Ele permanece atento, principalmente, ao desenho dos vínculos emocionais estabelecidos por pessoas que experimentaram as suas parcelas de abandono. A garota levada à prostituição por falta de alternativa; o rapaz largado no passado; o homem que tem dificuldades para se conectar com a própria filha. Como em Assunto de Família, amores nascem nos terrenos da contravenção.

Broker: Uma Nova Chance apresenta aquele tipo de história com cartas previamente marcadas. Uma vez identificada a dinâmica que faz evoluir as relações com certa dose de previsibilidade – estritamente profissional no começo e gradativamente menos impessoal –, pode-se imaginar que nem qualquer contratempo deve comprometer a positividade da mensagem final. Interpretada por uma celebridade do K-pop, Moon So-Young desabafa contra sua censora em determinado momento, tentando criar simetrias simples entre aborto e abandono. Gritando, ela diz: “qual é a diferença entre matar antes de nascer e desamparar depois?”. A falta de uma réplica consistente deixa espaço para essa pergunta ecoar como defesa da natalidade acima de qualquer circunstância. Nesse ponto, Koreeda compromete a dimensão social de seu longa-metragem ao permitir que uma boa dose de romantismo sufoque as nuances da decisão de ter ou não a criança em determinadas ocasiões. Do que adianta apresentar cenários repletos de miséria e desesperança (o que denota uma preocupação humana) se ele sugere que apenas as persistentes merecem finais conciliadores? O próprio subtítulo em português reflete essa ideia de “uma nova chance” permitida àquelas mulheres que levam a gravidez a cabo. Evocando um tradicionalismo idealizado, o realizador reduz a maternidade a uma questão de coragem e brios.

Assim como havia feito em Assunto de Família, Koreeda mostra o amor familiar nascendo entre desconhecidos sem ligação sanguínea. Essa bem-vinda concepção de “conectados pelo afeto” é o motor principal de um drama singelo que poderia aproveitar as ambiguidades para crescer. A participação dos gângsteres é ínfima e o pecado pesando sobre os ombros da mãe relutante não faz mais do que acentuar a ideia da contraventora em processo de cura/regeneração por meio do afeto. Conduzido com a elegância de sempre por um dos principais cineasta da atualidade, Broker: Uma Nova Chance se perde um pouco pelo excesso de idealização nessa jornada de redenção que apresenta aos personagens principais um convidativo caminho alternativo à criminalidade. No fim das contas, o longa trata de um processo curativo de contrição que abre caminhos promissores a todos. A pecadora poderá recomeçar (mas, somente depois de pagar a dívida com a justiça); o antes jovem abandonado pode curar suas feridas ao mudar de estatuto e, quem sabe- se tornar futuramente pai; o homem mais velho (uma espécie de avó dessa trupe) recebe a nova oportunidade de ser uma figura referencial ao menino tagarela que a ele se afeiçoa. Até a policial aparentemente fria tem a sua redoma protetiva derretida em certa medida. Koreeda defende veementemente que os problemáticos podem ter famílias funcionais.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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