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Sinopse

Na Nova York de 1950, Lionel Essrog é um solitário detetive particular com Síndrome de Tourette. Com poucas pistas, está investigando o assassinato de seu amigo e mentor, Frank Minna. Com uma mente obsessiva, transita por vários lugares e consegue desvendar segredos que mantém o equilíbrio de toda a cidade.

Crítica

É corajoso da parte de Edward Norton, diretor pouco experiente, realizar Brooklyn Sem Pai Nem Mãe, um filme noir em pleno 2019, adaptado de um romance de sucesso. Ele não propõe uma releitura do gênero, nem mesmo uma atualização para os moldes do cinema industrial de hoje, e sim uma reprodução dos vícios e virtudes do noir de 70 anos atrás: os detetives se esgueirando por trás de edifícios em noites escuras para seguir homens poderosos, mulheres fatais que acabam atraídas pelo herói, esquemas de corrupção provocados por sujeitos malvados (que pareciam bondosos a princípio), fumaça saindo de bueiros à noite, trilha sonora jazz-bar tornando o ritmo sensual e cadenciado, sombras perigosas projetadas nas paredes. Em outras palavras, Norton se apropria do noir pelo imaginário cinéfilo: este é tanto um exercício de estilo quanto uma manifestação nostálgica da parte de seu criador.

Por um lado, esta escolha permite aos cinemas receber uma forma de cinema rara dentro de Hollywood, especialmente com um elenco deste porte – o que certamente decorre das amizades de Norton enquanto ator. Brooklyn Sem Pai Nem Mãe apresenta um ritmo contemplativo, preocupado em igual medida com a ambientação e com o desenvolvimento de personagens. Em paralelo, não tem medo dos recursos cafonas, anacrônicos: vide o reflexo da mocinha pisando em uma gigantesca poça d’água numa rua seca, ou ainda a sobreposição da ponte do Brooklyn ao rosto do herói, como uma máscara impregnada em seu rosto. Somados à cena subaquática do detetive e às passagens dentro do bar, temos um diretor capaz de apostar num estilo extremado até o fim, sem concessões ao gosto da contemporaneidade nem ao público amplo. Do alto de suas 2h30 de duração e de seus tiques, o filme transpira a confiança que só os imprudentes, ingênuos ou arrogantes costumam ter.

Por outro lado, o material literário é adaptado com pouca sutileza. Oferecendo a si mesmo o papel principal do detetive azarão, solitário e sofrendo com Síndrome de Tourette, Norton não evita a impressão de um projeto de vaidade. Norton encarna de maneira afetada o personagem que algumas décadas se tornaria sinônimo do Oscar de melhor ator (pelas manias, pela “transformação” do sofrimento ao heroísmo). As palavras aleatórias em decorrência da Síndrome se tornam gritos, a configuração de pobre-garoto-órfão-precisando-provar-o-seu-valor serve apenas a aumentar a distância entre a fragilidade inicial e a inevitável descoberta do crime, o confronto dos vilões e a conquista da bela mocinha. Esta não é uma forma de cinema antiga apenas em termos estéticos, ela também representa uma visão de mundo conservadora. Gugu Mbatha-Raw, interpretando uma destemida militante, é controlada até se tornar frágil e dependente do resgate do herói. Leslie Mann, na pele da esposa pouco amorosa, também se ajeita com um personagem coadjuvante. Cherry Jones, excelente atriz e dona de uma personagem poderosa, desaparece quando não convém mais à trama. Os homens ascendem ao martírio ou ao heroísmo, ao passo que as mulheres são caladas ou domesticadas.

Mesmo assim, enquanto suspense, o filme consegue desenvolver cuidadosamente a busca pelo assassino do pai de Laura (Gugu Mbatha-Raw), além dos motivos que levaram à queda de Frank (Bruce Willis). A investigação se desenvolve em ritmo seguro, costurando o interesse pessoal e o social, a vida do detetive Lionel com a vida do prefeito e dos empreiteiros da cidade. Existe uma vontade sincera em denunciar os maus-tratos cometidos contra a população negra e a cobiça dos governantes através da especulação imobiliária – o que obviamente se tornaria mais forte caso os negros e as vítimas dessa especulação se tornassem sujeitos, ao invés de objetos. No entanto, em seu gesto paternalista, Norton traz uma tentativa um pouco ingênua de justiça social, que ao menos tem o mérito de estampar como as lutas e a representatividade das minorias se transformaram desde 1950 até agora.

Brooklyn Sem Pai Nem Mãe resulta numa produção repleta de excessos e arestas, como um trabalho que precisasse de mais tratamentos de roteiro e de montagem. Ainda assim, deve-se reconhecer seus méritos de resgatar uma noção de épico que não precisa de superpoderes nem de edição ultra fragmentada, apenas de intensa construção de clima, do uso ostensivo de cenários, figurinos, acessórios, música sensual. Norton talvez extraia de seu elenco algumas composições extremadas (mesmo Alec Baldwin exagera na cena final), mas sabe se cercar dos melhores nomes para cada personagem. Caso tivesse a generosidade de oferecer o papel central a outro ator, ou se conseguisse trazer os tiques de Lionel a um patamar mais realista, conquistaria um resultado tão bruto quanto o tema que adapta. Entretanto, o diretor prefere uma versão muito mais alegórica e idealizada dos fatos – vide a cena na estação de trem, praticamente uma pintura viva. Talvez ainda haja espaço na indústria para diretores românticos.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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