Crítica


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Sinopse

Uma adolescente rebelde que vive em uma área quase abandonada de Houston, no Texas, entra em colisão direta com seu rabugento vizinho. Ele costumava ser um toureiro, mas seus dias de glória nas arenas foram deixados para trás. Ao entrarem em contato um com o outro, os dois têm suas vidas mudadas para sempre.

Crítica

Nos rodeios, aos cowboys e às cowgirls um dos principais desafios é permanecer durante o maior tempo possível em cima de cavalos ou touros aparentemente agressivos e indomáveis. Todavia, essa irascibilidade é provocada, entre outros subterfúgios, por uma corda amarrada incomodamente às virilhas dos animais que, assim, nada podem, a não ser espernear. Os bichos não se comportam violentamente porque querem, mas por serem levados a isso. De modo semelhante reage a adolescente Krystal (Amber Havard) às derrotas de seu cotidiano conturbado por um sem número de entraves. A mãe está na cadeia e a avó que a abriga padece de cansaço e enfermidades suportáveis apenas com a administração de remédios. A menina toma atitudes intempestivas, invade a casa do vizinho e faz baderna com os colegas das redondezas. É como se ela procurasse bagunçar espaços alheios para se sentir menos deslocada, pois incapacitada pelas conjunturas de organizar seu terreno. Bull possui associações metafóricas constantes, algumas óbvias, mas ainda dotadas de potência.

A cineasta Annie Silverstein demonstra sensibilidade para conduzir essa trama de aprendizados e correlações, mesmo trabalhando a partir de um roteiro esquemático. Tão logo a protagonista se aproxime forçosamente de Abe (Rob Morgan), é previsível que ambos passem das animosidades iniciais ao vínculo afetivo insuspeito, nesse meio tempo enfrentando dificuldades que ameaçam o elo construído aos poucos. Porém, Bull ameniza essa normatização ao estabelecer uma forte liga entre os personagens supostamente diferentes, mas que guardam semelhanças fundamentais. O homem que salvaguarda a vida dos competidores do rodeio, por exemplo, evidentemente consegue se espelhar nessa menina que acaba metendo os pés pelas mãos por inabilidade para lidar com as demandas emocionais. De maneira análoga, Krystal caminha na direção das repetições dos erros maternos, provavelmente motivada por questões comparáveis, algo que afeta sua irmã.

Bull sustenta a ideia de que a agressividade superficial esconde existências machucadas por distintos elementos. Assim como o touro tem seu corpo vilipendiado nas arenas, Krys é ferida ao ser chamada a assumir responsabilidades que sua pouca maturidade não comporta. Igualmente, Abe demonstra nas entrelinhas de suas raras palavras, por meio de dados que escapam de seus olhares e silêncios prevalentes, que enfrenta resistência para abrir-se a outrem em virtude de um acúmulo de contratempos de várias ordens. No fim das contas, essas figuras se compreendem de algum jeito por se reconhecerem intimamente. Inclusive, elas se rechaçam de cara por conta de uma crise experimentada ao inesperadamente se verem na miséria alheia. Annie Silverstein investe na construção de uma atmosfera demarcada pelo arrefecimento de certas dualidades. Nem mesmo o traficante que apresenta uma alternativa de ganhos é destituído de instantes de fragilidade.

A despeito da recorrência a lugares-comuns, tais como os dois mundos, um nitidamente bom e outro obviamente ruim, se descortinando diante da protagonista em formação, Bull se ancora na tentativa da realizadora de tornar as interações efetivamente orgânicas. Cinematograficamente falando, quando pensamos em western, gênero repleto de cowboys em meio à gênese territorial dos Estados Unidos, geralmente os protagonistas são brancos. Aqui, o fato dos bastidores dos rodeios serem majoritariamente habitados por homens e mulheres negros diz muito sobre o desejo de expandir horizontes para além das convenções às quais recorre. De modo semelhante, a América do Norte esquadrinhada não é a dos subúrbios cheios de casas altivas, gramados verdes e cercas brancas. Afora esse cuidado com a ambiência e o trato humano, o longa ainda se beneficia das excelentes interpretações de Rob Morgan e Amber Havard. Ele como o sujeito irremediavelmente fraturado em busca de paz. Ela como a menina de semblante assustado e interior em ebulição.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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