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Sinopse

Bernadette Fox já foi considerada uma das maiores promessas da arquitetura nos Estados Unidos, mas hoje ela vive em casa com a filha adolescente e o marido, há vinte anos sem produzir qualquer trabalho. Com dificuldades de relacionamento, ela multiplica os remédios para a ansiedade, até que a possibilidade de uma viagem familiar para a Antártica se torna uma pressão grande demais, e Bernadette desaparece. Convencidos de que a mãe e esposa partiu rumo ao sul do globo sozinha, a filha e o marido correm à Antártica à procura dela.

Crítica

Existem pelo menos dois filmes muito diferentes dentro de Cadê Você, Bernadette?. O primeiro deles se filia às comédias adolescentes sobre doenças e enfrentamento da morte, em estilo A Culpa É das Estrelas (2014). Uma narração piadista e leve, pela voz da jovem Bee (Emma Nelson), apresenta as excentricidades da mãe. Desde o começo, sabe-se que Bernadette (Cate Blanchett) fugirá de casa, cabendo à adolescente lidar com a sensação de abandono. Mesmo assim, o rosto sorridente da mãe num caiaque, navegando entre blocos de gelo, deixa a impressão de um agradável passeio da matriarca longe de casa. Por mais grave que possa parecer a situação, as cenas são divertidas, atrapalhadas, com direito a uma orquestra de tons lúdicos efetuando a transição entre cada cena.

Outro filme muito diferente se encontra no retrato de doenças mentais. O comportamento excêntrico de Bernadette pode ser lido como depressão profunda, síndrome de pânico, ansiedade social ou tendência suicida, além de outros possíveis diagnósticos e sintomas lançados ao longo do filme. Por isso, quando ela é vista dormindo no sofá de uma farmácia, não sabemos se esta cena corresponde ao humor pastelão ou se representa o fundo do poço para a arquiteta que já foi muito famosa, e hoje passa vergonha em lugares públicos. Este é o limiar essencial entre comédia e drama: se um personagem cai das escadas e se levanta reclamando do galo na cabeça, podemos rir com ele. Se ele cai das escadas e não se levanta mais, enquanto uma poça de sangue se alastra ao redor, nosso sorriso desaparece. “Drama = comédia + tempo”, dizia Charles Chaplin, e na dificuldade de lidar com este equilíbrio se encontram as maiores deficiências do projeto.

O diretor Richard Linklater nunca decide ao certo qual filme pretende apresentar ao espectador. A atuação afetada de Cate Blanchett pode se justificar dentro de uma comédia escrachada, porém soa deslocada no registro realista. A fuga rumo à Antártida parece ora uma traquinagem juvenil, ora um ato de desespero. Ambas as leituras são possíveis e defensáveis, o problema se encontra em não optar claramente por nenhuma dessas vertentes. Visto por um ponto de vista, Cadê Você, Bernadette? representa o retrato profundo de uma crise interna e da pressão social depositada sobre as mulheres. Por outro lado, se torna o lamento fútil de uma mulher que pode se dar ao luxo de viajar o mundo, passar o dia fazendo compras pela Internet e jantar em restaurantes giratórios para espairecer.

Linklater fica tão perdido diante desta personagem que dedica não apenas uma, mas duas sequências explicativas para tentar elucidar Bernadette. Primeiro, oferece um vídeo-institucional-dentro-do-filme, no qual vários amigos e colaboradores do diretor (Laurence Fishburne, Megan Mullally, Steve Zahn) fazem participações especiais para descrevê-la enquanto prodígio da arquitetura. Segundo, o marido Elgie (Billy Crudup) traça o histórico da esposa à terapeuta, enquanto, em montagem paralela, Bernadette descreve a si mesma a um colega de profissão. Ambos momentos soam artificiais, porque didáticos e convenientes demais à narrativa. As duas sequências se tornam reflexo da incapacidade do filme em apresentar Bernadette em imagens, sem precisar das “aulas” internas, além da tentativa constante de apreender uma figura que percorre a integralidade do filme entre o histrionismo e a timidez, entre a mãe incompreendida e a genial arquiteta intempestiva, que só faz o que lhe dá vontade. Talvez o título mais apropriado, neste caso, fosse “Quem é você, Bernadette?”.

A narrativa melhora consideravelmente a partir do momento em que a jornada familiar se concretiza – o que ocorre apenas no terço final. Neste segmento, o filme abre mão do humor fácil para se comprometer com o drama, quando os personagens se tornam tridimensionais em sua busca, seja a de si próprios ou da mãe fugidia. Antes disso, Bernadette é observada por um ponto de vista externo, ora pela filha, ora pelo marido, ora pela vizinha invejosa (Kristen Wiig). Os personagens dedicam-se a julgar moralmente a protagonista, e o espectador é colocado na mesma posição. Teria sido interessante enxergar a depressão (ou qualquer outra doença correlata) pelos olhos da arquiteta, desvendando sua relação íntima com a casa inacabada, com os traumas da maternidade, com a angústia provocada pela viagem iminente, e mesmo com o absurdo quiproquó a respeito de seu cartão de crédito. Cento e dez minutos mais tarde, o espectador se encontra diante de uma bela jornada de união familiar, porém girando em torno de uma personagem inconsistente.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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