Crítica

Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza do ano passado, Cães Errantes tem como ponto de partida a vida de um sem-teto que vive com seus dois filhos em um prédio abandonado em Taipé, em Taiwan, até a chegada de uma mulher que pode mudar esta dinâmica. Muito mais do que um pretenso drama romântico ou um tratado social sobre a falta de oportunidades na era da globalização, como a sinopse pode fazer pensar, o filme de Tsai Ming Liang aposta muito mais na perspectiva sensorial do que na narrativa comum.

O tema não é inédito para o cineasta, que não é tão conhecido do público em geral. Um de seus filmes mais famosos (e um dos únicos a ter uma carreira interessante no Brasil), O Sabor da Melancia (2005), já lidava com questões parecidas ao retratar a crise de falta de água no país com o aumento nas vendas de melancias. Detalhe: sob a ótica de um astro pornô. O ator Kang-sheng Lee, persona constante dos filmes de Tsai, quase dez anos depois volta a viver um personagem de poucas palavras que vive seus dias como um “homem-sanduíche” (aqueles que trabalham na rua com placas de anúncio no corpo). A crise é gigantesca e não há muito o que fazer para mudar a situação, apenas esperar o melhor para o dia seguinte. Algo que nunca sucede.

Aliás, pouca coisa realmente acontece de fato no longa. Tanto que pode-se até reclamar do tempo de duração de algumas cenas. Uma, em particular, tem cerca de 13 minutos e mostra dois personagens contemplando um grande mural. Porém, ao mesmo tempo em que, sim, esta imobilidade pode entediar o espectador, por outro mostra o olhar aprofundado sobre o tema do cineasta, o estudo do ser humano a partir das condições em que ele vive. O objetivo do cineasta não é o simples protesto contra a miséria social, e sim uma análise sobre como o homem vive seus dias sem a perspectiva de melhora.

Ao colocar seus personagens em situações aparentemente banais, o diretor taiwanês quer aproximar o público daquela realidade. Por isso o trabalho com o som também é tão característico de sua obra. Em uma cena, dois homens-sanduíche tentam trabalhar em meio a uma intensa chuva. O vento forte e os pingos que caem em suas roupas provoca barulhos que incomodam como se o espectador participasse daquele momento.

Diante da rotina que nunca sai da mesmice, a simbologia com a parede em ruínas pode se revelar como um mural de novas possibilidades para aqueles habitantes deste local desolado, assim como o próprio cinema de Tsai: um amálgama de silêncio em contraponto à crítica de uma sociedade em decadência, que deixou de olhar para o outro apenas para se observar numa redoma. Algo que apenas a sensibilidade de um cineasta de talento pode transpor para o público.

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