Crítica
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Crítica
Filme-celebração do centenário do escritor e jornalista Antônio Callado, Callado possui uma pegada híbrida, por misturar influências televisivas e cinematográficas para dar conta, de maneira sucinta e criativa, de uma vida repleta de episódios importantes. Há, inclusive, boa alternância de vozes na narrativa. Engenhosamente, muitas vezes, as falas do próprio homenageado, registradas em vídeo e/ou som, concluem ou são complementadas pelo depoimento de amigos e familiares. O tom de admiração perpassa esses testemunhos de tempos difíceis, como os de luta pela preservação da democracia em meio à ditadura civil-militar. A perspicaz manipulação das imagens, com sobreposições, retículas, multiplicações, entre outras técnicas mais ou menos recorrentes, fazem da realização da diretora Emília Silveira um retrato, ao mesmo tempo, dinâmico e abrangente, discursivamente jornalístico.
Os colegas de profissão relembram os grandes momentos vividos na redação ou em “campo”. Antônio Callado trabalhou na BBC quando a inglesa expandiu mundialmente sua abrangência. Era a época da Segunda Guerra, conflito encarado pelo homem que não se furtava de utilizar figuras de linguagens incomuns ao hard news, tais como a ironia, para transmitir ao leitor os horrores de tempos nefastos. Os familiares lembram histórias pitorescas, casos aparentemente prosaicos, mas representativos no nível doméstico, não se esquivando de traços propensos à controvérsia, como a fama de mulherengo do cinebiografado. Callado tenta deter-se no que de mais substancial pode ser tirado de cada esfera, geralmente logrando êxito nessa empreitada, mas ocasionalmente incorrendo em reduções e sumários frágeis. De qualquer jeito, o saldo dessa operação difícil de síntese é bem satisfatório, o suficiente.
O autor de Quarup, entre outros livros tidos como peças fundamentais da literatura brasileira, é perscrutado por uma roda heterogênea de leitores, em cenas fotografadas em preto e branco. Filósofos, poetas, professores, em suma, comentam informalmente a erudição da prosa de Antônio Callado, nos únicos instantes do longa-metragem distintos do procedimento de intervenção nas imagens de arquivo com o tratamento gráfico e a voz de quem ajuda a delinear a personalidade do protagonista. Outro recurso inteligente é a utilização de excertos da obra de Callado, seja a construída ao longo dos anos nos periódicos ou a estritamente literária, para ajudar a entender, entre outras coisas, o Brasil profundo. Trechos de livros e crônicas atravessam a tela, fazendo com que Antônio Callado nos seja mais próximo. É um artifício aparentemente óbvio, mas expressivo pela forma habilidosa como aqui é utilizado.
Em Callado, excetuando a já mencionada mesa-redonda debruçada sobre a literatura de Antônio Callado, apenas o passado se corporifica, através dos registros preservados. Gente como Carlos Heitor Cony, Eduardo Jardim, Ana Arruda Callado e Davi Arrigucci Junior, para citar apenas algumas das pessoas que enriquecem a produção com suas rememorações, aparecem diante da câmera durante os créditos finais. O filme presta o serviço de resgatar essa figura múltipla da cultura brasileira, lançando luz nos seus trabalhos mais importantes, evidenciando a relevância de sua atuação, inclusive, no que tange à militância pela manutenção da democracia. Em tempos sombrios, com tramoias políticas surgindo aos borbotões e o povo anestesiado diante dos sucessivos golpes no país, é providencial olhar para trás e valorizar exemplos como o de Antônio Callado, um autor bastante consciente e prolífico.
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