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Crítica


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Sinopse

Fotojornalista apaixonada por seus ideais, Camille vai à África para cobrir uma iminente guerra civil. Rapidamente ela se apaixona pela paisagem e pelos locais, passando a sentir mais profundamente aquela tragédia.

Crítica

Um dos primeiros impasses que a fotojornalista Camille Lepage (Nina Meurisse) enfrenta é quanto ao seu olhar direcionado aos conflitos. Assim que um veterano sublinha a importância do recorte, da perspectiva a ser assumida diante de certo ser ou ação histórica, ela demonstra que talvez nunca (ingenuamente) tenha pensado nisso. Dada a importância da cena, pode-se esperar que Camille seja justamente um filme sobre alguém tentando encontrar esse olhar singular. Estaria a jovem em busca de aventura? Perseguindo algum sentido no caos reinante na República Centro-Africana? Buscando eternizar imagens como forma de denunciar, assim guiada pela vontade de fazer justiça social? O cineasta Boris Lojkine até dá alguns indícios do que poderia ser essa jornada, mas inesperadamente não a determina. Aliás, é quase um contrassenso que questões sejam colocadas como provocações à personagem, mas não encaradas pelo próprio longa-metragem. Diluídas num processo constante de observação, estão tais indagações, algumas de cunho prático, outras de ordem filosófico-histórica. Mas não há uma tomada de posição, apenas as anotações cumulativas sobre uma fotojornalista.

Ao longo da estadia de Camille no país africano convulsionado pela guerra de origem religiosa – e que muitas vezes deflagra a xenofobia – ficamos subordinados a ela, às formas como consegue deslocar-se em meio à enorme perturbação coletiva que ocasiona tensão alarmante e inúmeros cadáveres estendidos nas ruas. Boris Lojkine prefere fazer de Camille uma testemunha com pequenos rompantes de consciência. Frente à carnificina consumada, a fotojornalista pega a câmera e procura o melhor ângulo, numa movimentação semelhante ao sobrevoar em círculos dos abutres em torno da carniça. Mas, Camille não leva adiante essa e outras várias problematizações. Está mais preocupado em demonstrar-se ciente do lado pernóstico dessa sanha por construir narrativas tendo como matéria-prima o cotidiano miserável do qual se pode arremeter tão logo a fome jornalística esteja aplacada. O realizador, por exemplo, é incapaz de enfatizar a contradição enorme que reside no choque entre a compreensão humanista da protagonista e a sequência de seu trabalho. Da mesma forma, ele não ilumina os paradoxos da profissão, ora apontando à nobreza, ora a uma sentença.

Camille volta para casa como vencedora, merecedora de elogios por publicar numa grande revista fotos que comprovam um desastre enorme persistente a muitos quilômetros dali. O pensamento eurocentrista está escancarado na forma como o irmão faz todo um prólogo racista e xenofóbico antes de manifestar seu orgulho. Ela se revolta com aquilo, logo depois aparecendo novamente na República Centro-Africana, ou seja, não conseguindo mais identificar-se com suas raízes europeias. Infelizmente, os ecos dessa ótima passagem, que poderia servir para sublinhar o emaranhado de coisas que está em jogo, são de pouco alcance, principalmente porque o retorno é bastante parecido com a primeira incursão dela pelo país estrangeiro. Ou seja, a simples demonstração de que não passa incólume diante dos horrores da guerra civil, a tentativa de conectar-se com as pessoas envolvidas, mas sem que isso ainda revele qual é a sua perspectiva/motivação prevalente. Estamos diante de alguém interessada pura e simplesmente pela gente? À procura de um ponto de vista que consiga amalgamar íntimo e coletivo? O maior problema de Camille é a ausência de focos bem definidos.

Existem filigranas às quais podemos nos apegar para compreender melhor os contextos que fazem Camille agir. No petit comité com a família, é mencionado que usufrui de uma posição privilegiada – a de sustentada pela mãe – para correr intrepidamente atrás do sonho. Isso poderia servir para adicionar camadas à investigação sobre a personagem, mas, como vários outros apontamentos, acaba perdendo fôlego porque não reverbera em circunstâncias futuras. Munidos da informação antecipada quanto ao destino da fotojornalista, somos conduzidos por um caminho que inevitavelmente pinta Camille como mártir, alguém que se esforçou ao máximo, abdicando de regalias e liberdades, em prol da missão assumida de mostrar ao mundo que existem pessoas morrendo aos borbotões em países subdesenvolvidos. O que faz a lógica aproximar-se perigosamente do mito do “branco salvador” – quando essencial e simultaneamente exaltada a generosidade da branquitude e a miserabilidade da negritude – é a falta de disposição de Boris Lojkine para substanciar os tantos debates que poderiam surgir das suas interrogações. Ele prefere empilhar reflexões pontuais e não fazer delas insumos.

Filme visto online no 11º MyFrenchFilmFestival, em fevereiro de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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