Caminhos Cruzados
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Levan Akin
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Crossing
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2024
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Suécia / Dinamarca / França / Turquia / Geórgia
Crítica
Leitores
Sinopse
Lia, uma ex-professora cansada e com dificuldades financeiras, prometeu realizar o último desejo de sua irmã recém-falecida: encontrar Tekla, sua filha trans, há muito tempo perdida. Junto com o ex-vizinho e amigo de Tekla, o jovem azarado Achi, ela embarca em uma jornada improvável.
Crítica
Caminhos Cruzados, terceiro longa assinado pelo diretor e roteirista sueco Levan Akin (E Então Nós Dançamos, 2019), não se encarrega de apresentar grandes surpresas, ao menos não num primeiro momento, em especial ao espectador brasileiro. Afinal, no centro de sua ação está uma senhora, de já certa idade, ao lado de um garoto sem rumo nem destino. Enquanto ela se mostra cansada de tudo que vê ao seu redor, a ele esse mesmo cenário soa inédito e estimulante. Os dois estão em uma jornada, tão física quanto emocional, motivada por questões familiares. Os paralelos, como se pode perceber, com o premiado Central do Brasil (1998), são diversos. Mas não é por estas eventuais similaridades que um deixa de ter menos relevância do que o outro. Assim como o título dirigido por Walter Salles, esta produção mais recente também investe tanto na construção destas duas personalidades distintas, das quais o espectador se verá afeito a elas independente de suas trajetórias e complexidades, como também se ocupa em agregar novas camadas de entendimento, aumentando o espectro percorrido por sua narrativa. E é pelo acréscimo de novas figuras que esta obra impõe não apenas sua originalidade, mas também uma inevitável urgência.
Lia (uma impressionante Mzia Arabuli, austera nas duras linhas de expressão quando no comando, mas acessível quando se permite baixar a guarda, possibilitando um vislumbre tanto da mulher que já foi como daquela que um dia poderá voltar a ser) é uma professora de história aposentada que pouco tem a fazer em uma Geórgia consumida pela guerra e pelas diferenças sociais. Quando nada mais parece lhe impedir, decide atender ao desejo da irmã, falecida há pouco: reencontrar a sobrinha, que foi expulsa de casa quando adolescente. A jovem deve estar com quase 30 anos agora, e há muito os familiares não têm notícias a seu respeito. Essa garota, se faz necessário destacar, é seu último laço familiar remanescente. As duas estão perdidas, portanto, uma longe da outra. Sem olhar para trás, a tia parte em busca daquela que há muito ganhou o mundo. Mas será que essa quer, afinal, ser encontrada? E por quê nada foi feito antes para que essa ligação fosse retomada? As respostas estão em cena, mas não são expostas de modo didático ou expositivo. Assim como um bom contador de histórias, Akin sabe o momento certo para jogar suas cartas.
Numa de suas primeiras paradas atrás de informações a respeito do eventual paradeiro da parente, Lia se vê diante de um antigo aluno. Num contato superficial, o que ela identifica nele é um homem consumido pelo fracasso de um país que há muito parece ter abandonado seus anseios. Sem nada de concreto que pudesse lhe ajudar, segue em diante. Mas não mais sozinha. Achi (Lucas Kankava, um contraponto afinado à dureza da protagonista, se mostrando tanto como o malandro que ganha a vida nas ruas como o órfão em busca de um abraço), irmão desgarrado do rapaz com quem Lia havia conversado, decide deixar o pouco que tinha (ou seja, quase nada) e parte com não mais do que a roupa do corpo para ajudá-la em sua procura. Ele afirma ter ouvido falar de Tekla, tem conhecimento de um eventual endereço em Istambul, no outro lado da fronteira com a Turquia, e ainda poderá lhe servir como intérprete. Ela aceita a companhia. Mas a abertura entre eles é limitada. Há mais do que um pode oferecer ao outro do que estas meras questões práticas. São pessoas abandonadas, desesperadas por serem vistas.
“Istambul é uma cidade para onde as pessoas vão quando desejam desaparecer”, afirma Lia em certo momento. Esta conclusão parece refletir a frustração pelos resultados de uma investigação que parece não ter fim. De forma simultânea, há ainda Evrim (Deniz Dumanli, a energia que oferece ao conjunto cores mais fortes e vibrantes), uma mulher trans que luta diariamente para se livrar do estigma que a persegue. Formada em Direito, atua em uma ONG e leva sua vida envolvida por causas de outras que, assim como ela, não são vistas, nem lembradas. A provocação que o cineasta estabelece aqui é o motivo pelo qual Tekla foi expulsa de casa: ela também é trans. Evrim, no entanto, não só tem outro nome, como também parece ser mais velha do que sobrinha de Lia. Mas seriam apenas impressões equivocadas? Seriam as duas a mesma pessoa? Ou apenas possíveis relatos, tanto para uma, quanto para a outra, que poderiam ou não terem se realizado? Quando questionada se atua como trabalhadora sexual, nega após um suspiro de resignação. Quantas vezes deve ter ouvido essa mesma pergunta? Mas nem todas as vítimas do preconceito e da homofobia conseguiram o que ela hoje ostenta. Sua história é também sua defesa. E uma vez ao lado de Lia e Achi, poderá contribuir de forma decisiva no intento da dupla. O final feliz que os três buscam, porém, pode não ser tão simples.
A sensibilidade exibida pela forma como Levan Akin cuida de seus personagens é tão comovente quanto capaz de renovar o interesse do espectador por suas decisões e percursos a cada nova mudança de rumo. Se ficarão juntos ou se acabarão se separando, se o aguardado reencontro se dará ou não, se a fantasia tomará forma e o desejado é ou não mais importante do que aquilo que se mostra concreto, todas estas alternativas são exploradas pelo realizador de modo consciente e assumidamente terno. Por fim, ao falar de corpos que fogem a um padrão pré-estabelecido por uma sociedade consumida por tradições seculares e incapaz de olhar ao novo e ao diverso, Caminhos Cruzados aborda não apenas essa falta de comunicação que tanto imobiliza quanto isola, mas também faz desse processo de transformação um exemplo tão viável quanto almejado. Se irão acertar ou não, esse é um detalhe que, no final das contas, parece não fazer diferença. O importante aqui é não desistir, é estar disposto a alterar a forma como vê o mundo e se manter aberto ao que lhe é diferente, mas não menos fascinante. Parece tão simples, mas sua força é arrebatadora.
Filme visto durante o 13º Olhar de Cinema: Festival Internacional de Cinema de Curitiba, em junho de 2024
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