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Sinopse

A jovem Mayara, 23 anos, organiza uma campanha honesta durante as eleições municipais de Camocim de São Felix para eleger o candidato e colega César. A cada quatro anos, a cidade no interior de Pernambuco tem sua tranqulidade interrompida pela euforia política do evento. Durante o processo, Mayara toma consciência da dificuldade em participar de uma disputa marcada por hierarquias, compras de votos e clientelismo.

Crítica

Em tempos de ebulição política, marcados pela polarização extrema, o cineasta francês Quentin Delaroche apresenta em seu documentário Camocim um retrato bastante atual e de verve urgente ao narrar os esforços de uma jovem idealista, Mayara Gomes, na coordenação da campanha para eleger seu amigo, César, ao cargo de vereador na Câmara Municipal de Camocim de São Félix, no interior de Pernambuco. É nesse microcosmo, com suas peculiaridades e contradições, que o realizador encontra um espelho do cenário atual da política brasileira, levando embates hoje travados, em sua maioria, no ambiente virtual – de discussões em redes sociais e fake news propagadas em grupos de WhatsApp – para o mundo concreto, das ruas, mergulhando na intensidade da disputa que, de quatro em quatro anos, divide a população do pequeno município.

Para captar essa atmosfera de ânimos acirrados, a câmera de Delaroche adentra os comícios onde todos vestem as cores dos dois principais partidos/candidatos locais, entoam jingles e palavras de ordem, dançam, bebem e festejam, atraídos por carros de som como o “Paredão das Novinhas”, fazendo valer não apenas todas as comparações possíveis entre o meio político e o futebolístico, como também dando vida à expressão “circo eleitoral”. Em certas passagens, o cineasta ainda adiciona uma nota extra de gravidade ao registro desse fanatismo, que não raro converge para atos de agressão física e verbal, ao embalar tais imagens com uma dramática trilha sonora. A violência surge como um dos aspectos que se mostram enraizados na cultura política do país – em determinada cena, alguns jovens comentam sobre os assassinatos ocorridos em eleições passadas – juntamente com a influência da religião – o paralelo entre as imagens dos pastores evangélicos nos cultos e dos candidatos em seus palanques pode ser facilmente traçado.

A estrutura patriarcal, com famílias que se perpetuam por décadas no poder – “Agora é o menino!” é o slogan de um dos candidatos, filho de um ex-prefeito da cidade – e outros tópicos como a compra de votos e o sentimento de descrença quase generalizado na classe política também entram no debate, apenas reforçando o quão arcaico ainda é o nosso sistema. Talvez até para apresentar um contraponto a esse atraso, Delaroche opte por trazer um olhar jovem, o de Mayara, que represente uma nova geração, ou ao menos uma parcela dela, engajada e que realmente anseia por mudanças no futuro próximo. Uma geração que busca um direcionamento, uma voz que represente seus conceitos e sua visão de mundo, mas que se mostra ainda desnorteada. A própria Mayara afirma que procura essa identificação, e que, independentemente de sigla ou cor de bandeira, irá apoiar um candidato cujas ideias estejam em sintonia com as suas, se apresentando assim como uma figura destoante em meio à fidelidade partidária quase cega que a cerca.

Há energia e sinceridade no discurso de Mayara, e ela se mostra articulada e desenvolta diante das câmeras. Contudo, Delaroche muitas vezes abandona sua protagonista para dar ainda mais espaço às manifestações coletivas em torno da eleição. Com isso, sua trajetória ao lado de César durante a campanha sai enfraquecida, com o diretor conseguindo extrair raros pontos de real relevância dessas passagens. As tentativas de traçar um perfil mais abrangente da garota, para além do aspecto político, ao acompanhar seu cotidiano ao lado da namorada, da mãe e amigos, também não atingem o resultado esperado e, exceção feita ao diálogo emocional e etílico que tem com o tio, pouco revelam sobre sua intimidade ou personalidade. Ao menos para a exploração da qualidade cômica de pequenos detalhes e situações, Delaroche demonstra um olhar mais atento, como no plano que enquadra o muro como uma pichação que diz algo como “Paz, amor e muita sacanagem” ao lado da propaganda de um candidato.

Essa imagem de Camocim traduz bem a mistura de passionalidade e obscenidade que marca a política nacional, expondo um potencial simbólico que acaba não sendo desenvolvido plenamente por seu diretor. Entretanto, mesmo não conseguindo construir observações mais agudas ou, de fato, novas, servindo mais como ilustração de um painel já conhecido, o longa se sustenta em função das particularidades do universo que retrata. Uma realidade com certeza mais surpreendente ao olhar estrangeiro, como o de Delaroche, mas também de interesse ao do público brasileiro.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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