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Sinopse

Ex-técnico de basquete de uma liga secundária é condenado a treinar um time formado por atletas com um déficit intelectual. Depois de um início pouco empolgante, ele começa a perceber o potencial desse grupo.

Crítica

Os feel good movies são aqueles filmes feitos para aquecer o coração da plateia. Eles costumam ter personagens em crises severas que aprendem lições valiosas para superar as adversidades. Assim, passam mensagens otimistas. Outras características notórias do filão são os finais felizes, as (re)conciliações e as lições de moral. Em suma, são histórias que apresentam receitas de felicidade: basta adicionar os ingredientes corretos, em quantidades adequadas e, pronto, dias nublados se transformam em paisagens ensolaradas. Dentro desse recorte gigante, que pode conter narrativas variadas, o protagonista desgraçado que encontra a redenção ao entender o outro exemplar é um dos mais frequentes e previsíveis. Senão vejamos. A quantos filmes você assistiu em que alguém é obrigado a colocar o seu talento/expertise à disposição de um grupo desacreditado para, no fim das contas, esse alguém aprender como ser uma pessoa melhor? É exatamente o que acontece em Campeões, remake do espanhol Campeones (2018). Nele, Marcus (Woody Harrelson) é um esquentadinho (porém talentoso) auxiliar técnico de basquete que entra em declínio ao agredir o superior por discordar de sua leitura de jogo. Não bastasse isso, ele é sentenciado a cumprir serviço comunitário depois de colidir com um carro policial ao dirigir bêbado. Sua pena é comandar um time formado por jovens com deficiência intelectual.

Marcus resiste, tem dificuldades para compreender a realidade desses jovens, aos poucos ganha a confiança deles, percebe os resultados de um empenho coletivo e triunfa, não sem antes ver ameaçada a nova vida pela qual se afeiçoa aos poucos. A quantos filmes você assistiu que possuem exatamente a mesma estrutura, com situações e caminhos precisamente iguais? Fica até difícil antecipar alguma coisa de Campões, pois a sua adesão voluntária e irrestrita ao modelo transforma o enredo numa jornada previsível. Além disso, tudo fica dentro de uma perspectiva relativamente segura. O personagem de Woody Harrelson nunca é escroto o bastante, assim como as adversidades enfrentadas pelo time são sempre menores do que a vontade de vencer. Da mesma forma, o interesse amoroso de Marcus segue outro protocolo visto em diversas tramas similares: depois do início em que o envolvimento é estritamente sexual, ambos os amantes se conectam emocionalmente. Por um lado, é louvável que a mulher em cena seja a determinada Alex (Kaitlin Olson), independente e pragmática quando o assunto é usufruir de seu desejo. Porém, o avanço de seu relacionamento com Marcus remete diretamente à inevitabilidade do amor, algo que podemos compreender como um passo atrás, uma concessão ao romance que não tarda a reivindicar o seu posto de principal sentimento nesse namoro fofo.

Em Campeões, Woody Harrelson volta ao universo do basquete antes explorado em Homens Brancos não Sabem Enterrar (1992). Seu personagem é um ás na técnica, mas precisa aprender a lidar com o aspecto humano para finalmente triunfar no esporte e na vida. Ele é, basicamente, o oposto de Ted Lasso, personagem da série homônima estrelada por Jason Sudeikis, pois sabe tudo de táticas e praticamente nada de gente. Assim, a convivência com os rapazes e a moça intelectualmente deficientes tem a ver com o seu processo de amadurecimento. Desse modo, a condição dos coadjuvantes forma um obstáculo que ele deve transpor a fim de se tornar uma pessoa melhor. A quantos filmes você já assistiu que têm exatamente essa premissa? Além de tudo, a produção comandada por Bobby Farrelly assume um ponto de vista anacrônico, ou seja, privilegia a perspectiva do homem que se beneficia dos feitos dos outros divergentes. Uma vez que a ideia era repetir esse modelo de filme, não seria mais interessante, ao menos, evitar a transformação dos membros de uma minoria em mais do que meros suportes à evolução alheia? À primeira vista, essa refilmagem pode parecer bonitinha e despretensiosa, mas carrega a (ir)responsabilidade de reproduzir o padrão narrativo que segue relegando pessoas com alguma deficiência à coadjuvância. A história não é sobre os jogadores, mas a respeito desse técnico.

Os pontos positivos do incomodamente previsível Campeões são os desempenhos do elenco. Woody Harrelson e Kaitlin Olson formam uma boa dupla do tipo “entre birras e beijos”, ainda que a constatação da “evolução ao amor” seja pouco desenvolvida para soar autêntica – e as cenas de sexo acontecem, basicamente, em meio a clipes musicais encarregados de resumir a passagem do tempo. Kevin Iannucci, intérprete de Johnny, chama a atenção por sua capacidade de capturar a plateia. Diante da missão de criar uma figura caracterizada pela força de sua personalidade, mas também por uma sensibilidade aflorada, o rapaz se sai muito bem. Além dele, sobressai a também jovem Madison Tevlin como a enérgica Cosentino, não tanto um prodígio quando o assunto é basquete (aliás, há poucas cenas dela jogando), mas um elo fundamental pela capacidade de dizer certas verdades em tom amoroso, mas veemente. Uma vez que nos deparamos com todos os protocolos desse tipo de filme sendo rigorosamente respeitados, fica fácil antever exatamente tudo o que vai acontecer. Quando muito, há um revés que outro meio fora da rota, mas nada que cause surpresas. Bobby Farrelly faz um “feijão com arroz” bem preguiçoso e aposta no carisma do seu competente elenco para evitar o desastre. De toda forma, o resultado é um amontoado de situações e frases motivacionais moldando uma história que vimos diversas vezes, quiçá com singelas diferenças, mas com brutais semelhanças.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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