Crítica
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Sinopse
Regina tem sua rotina alterada drasticamente ao encontrar duas crianças na porta de seu prédio. Os pequenos carregam nas mãos apenas o seu endereço, nutrindo a esperança de que a mãe irá voltar.
Crítica
Após um longo hiato desde o lançamento de seu primeiro longa ficcional, Mutum (2007), a cineasta Sandra Kogut retorna com novo trabalho, em que mais uma vez o olhar infantil possui importância fundamental para a trama. Se Campo Grande tem em comum esta característica com a premiada estreia de Kogut, a mudança de ambientação não poderia ser mais radical. O sertão mineiro da adaptação do livro de Guimarães Rosa dá lugar à desordem urbana do Rio de Janeiro para contar a história dos irmãos Ygor (Ygor Manoel), de 8 anos de idade, e Rayane (Rayane do Amaral), de 5 anos, que são abandonados pela mãe em frente a um prédio no bairro de Ipanema, tendo em mãos um pedaço de papel com o endereço e o nome de Regina (Carla Ribas).
Deste acontecimento inesperado, e das tentativas empreendidas por Regina para “se livrar” do problema, primeiro ao deixar as crianças sob os cuidados de um orfanato e depois ao partir em uma busca pela mãe desaparecida, Kogut abre espaço para tratar de temas atuais e amplamente discutidos na sociedade brasileira, em especial o das diferenças entre classes. A cineasta adentra a esfera de outros longas recentes como Que Horas Ela Volta? (2015), Casa Grande (2015) e O Som ao Redor (2013), ao fazer um retrato da classe média alta brasileira, sua visão sobre outros setores da sociedade e os códigos de conduta, muitas vezes velados, que imperam nesta hierarquia social.
Estes códigos pré-determinados podem ser notados não só nas atitudes de Regina, como seu aparente descaso inicial em relação ao acontecido, mas principalmente entre os personagens secundários pertencentes às classes mais humildes que, supostamente, deveriam se identificar com a situação dos irmãos. Do porteiro do prédio que não quer deixar que a presença de Ygor atrapalhe seu trabalho até a empregada de Regina, que parece mais preocupada em não deixar Rayane sujar o sofá de sua patroa do que com o drama da garota, Kogut expõe ao espectador estes limites sociais de nosso cotidiano. Limites muitas vezes simbólicos e invisíveis, mas que também podem ser concretos: as crianças que dormem na área de serviço e não podem adentrar a sala, a “área nobre” do apartamento. Apartamento que com suas goteiras e infiltrações serve também como símbolo de uma elite enfraquecida.
Esta quebra de barreiras, dos limites, também segue o caminho inverso no longa de Kogut, com o choque de realidade ao qual Regina é submetida quando acompanha Ygor pelas ruas do bairro carente de Campo Grande, tentando descobrir o paradeiro da mãe do menino. A questão do abandono infantil e o drama dos jovens irmãos são primordiais para o longa, mas dividem espaço com os dramas particulares de Regina. Recém-separada e prestes a ter que se mudar de seu apartamento, Regina enfrenta ainda problemas de relacionamento com sua filha adolescente, Lila (Julia Bernat). A garota, por sua vez, também sente os efeitos desta nova realidade familiar, dividindo-se entre a casa do pai músico – figura onipresente, sempre citada, mas nunca revelada – e da mãe, mostrando-se insegura em relação ao seu futuro, aos caminhos que deverá seguir – metáfora bem trabalhada pela diretora na dificuldade de Lila em dirigir um automóvel.
Para as duas personagens é tempo de mudanças e estas encontram espelho nas transformações constantes das grandes metrópoles, como o Rio de Janeiro, apontando outros problemas estruturais do Brasil. O ruído das obras intermináveis, que reflete os ruídos de comunicação entre Regina e Lila. A expansão urbana, que reflete o desejo de ascensão social de grande parte da população, além da especulação imobiliária, do trânsito caótico, da paranoia com a segurança, etc. São todos pontos relevantes, mas que acumulados e somados à divisão de núcleos dramáticos, tornam a narrativa irregular, com problemas de ritmo no desenvolvimento, especialmente em seu ato central.
Felizmente, Kogut reencontra a direção certa na parte final do longa, quando consegue fundir seus arcos dramáticos principais e extrair o máximo da relação entre Regina e Ygor. A aproximação com o garoto faz com que o instinto materno – e também de humanidade – de Regina seja recuperado, colaborando para que ela finalmente possa aceitar a nova etapa de sua vida. Neste ponto deve-se elogiar a atuação de Carla Ribas, que consegue externar as transformações de sua personagem de maneira exemplar. O mesmo elogio vale para a naturalidade do elenco infantil, Ygor e Rayane. Desta forma Kogut finaliza o longa retornando ao problema do abandono materno, mas sob uma perspectiva mais esperançosa. Mesmo percorrendo um caminho com alguns obstáculos visíveis, a mensagem da diretora se faz ouvir em meio ao caos que rodeia seus personagens.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Leonardo Ribeiro | 7 |
Chico Fireman | 8 |
Francisco Carbone | 9 |
Alysson Oliveira | 8 |
Diego Benevides | 8 |
MÉDIA | 8 |
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