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Crítica


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Sinopse

Johan está em conflito por conta de sua homossexualidade. No ano de 1985, ele se alista no exército e logo se inscreve no coral Canários. Lá, conhece outros gays que passam pelos mesmos problemas.

Crítica

Era uma vez um rapaz, numa pequena cidade no interior da África do Sul, que era apaixonado por... Boy George. E essa não é a única característica que torna o jovem Johan Niemand diferente dos outros garotos da sua idade. Ele não vê problema, por exemplo, em usar vestidos e outros adereços, ainda mais se tudo for parte de uma coreografia dos sonhos imaginada por ele e as amigas mais próximas. Mas sabe, também, que aqueles momentos de fantasia não são muito mais do que apenas isso: instantes de felicidade que logo se desfazem, com o bater na porta, o cruzar da esquina ou o confronto com os tantos olhares acusatórios e julgadores que estão por todos os lados. A vida dele, portanto, não será fácil. Por mais que consiga ser um Canário, sabe que somente quando decidir de fato abrir suas asas com todas as suas forças é que conseguirá voar para o mais longe possível.

O longa escrito e dirigido pelo cineasta Christiaan Olwagen parte de um fato pouco conhecido no exterior para construir a trajetória do seu protagonista. Na África do Sul dos anos 1980, quando um adolescente era convocado para o serviço militar obrigatório, ele acabava tendo dois destinos, de acordo com suas aptidões: ou iria para a frente de batalha – afinal, se estava em pleno regime de Apartheid, e os conflitos pelo país eram constantes – ou se via destinado a se unir aos Canários, o coral que tinha como missão viajar de cidade em cidade realizando apresentações que visavam oferecer paz e conforto aos pais e famílias com filhos envoltos pela guerra. Não precisa fazer muito esforço para imaginar onde Johan acabará encontrando um lugar. Afinal, além de não ter nenhuma predileção para os embates físicos, sua voz é um diferencial que não pode ser ignorado.

Assim como sempre procurou conter seus instintos mais naturais quando em casa – da mesma forma que o bullying sofrido na escola e entre os vizinhos nunca lhe passou desapercebido – Johan também tentará ao máximo se encaixar dentro do padrão esperado pelos militares e religiosos. Sim, pois há essa questão premente em cena: quem comanda os Canários são o capelão e o pároco do exército, e a mistura entre forças armadas e igreja se dará de modo determinante nas diretrizes assumidas por esses rapazes. Também por isso, um escape se fará tão necessário. A descontração inicial, quando um passeio pela rua pode se transformar numa jornada pela própria infância, a uma ida a uma boate no final de semana, quando um inesperado mundo de possibilidades passa a se descortinar em frente aos seus olhos, cada vez se torna mais certo que permanecer estático não é algo que possa continuar sendo considerado.

Sim, pois até então, tudo o que Johan queria era ser invisível. Ele agora, porém, é uma das principais vozes de uma iniciativa levada aos quatro cantos do país. São figuras ainda em formação, não mais crianças, mas também distantes de serem considerados adultos. Quando confrontados com discursos contrários daqueles com os quais estão acostumados, se veem perdidos, sem saber como reagir. São vistos como militares, mas por estes mesmos percebidos com escárnio e desprezo. Nesse contexto, o trabalho do ator Schalk Bezuidenhout, como Johan, é exemplar: ele revela tanto a dor do conflito interno que sofre, como também os prazeres que cada pequena descoberta lhe proporciona. O primeiro amor, seu verdadeiro “eu” sexual, a liberdade que desfruta ao assumir suas vontades e desejos, mas também as angústias e os embates ao ter que lidar com figuras de autoridade, seja no quartel ou em família. É uma composição delicada, a qual ele alcança com excelência.

Mais do que isso, no entanto, o maior mérito por trás do sucesso de Canário está justamente naquele responsável por tudo que é visto na tela: a habilidade do diretor Olwagen em conduzir uma história que pouco tem de novo a oferecer, mas muito possui a acrescentar a um debate sempre necessário. Do domínio de câmera que ele e o diretor de fotografia Chris Vermaak (que participou das equipes de filmes tão distintos como Joias Brutas, 2019, e The Last Days of American Crime, 2020) exercem na composição de diversos – e longos – planos-sequências, ao exercício que cada um destes esforços permitem de aproximação com o drama vivido por estes personagens, há muito a ser percebido e, acima de tudo, apreendido. Além de simples e banais mensagens de autoajuda, o que esse filme tem a oferecer são exemplos de superação e aprendizado, sem didatismo ou exageros, mas na medida certa para serem sentidos, antes de qualquer outra coisa.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
9
Alysson Oliveira
8
MÉDIA
8.5

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