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Sinopse

Julia e Eduardo formam um casal que se ama, mas que precisa aprender a lidar com os problemas que surgem em seu caminho. O longo casamento dos dois é assombrado por fantasmas e é carregado com a responsabilidade que têm em criar seus filhos. Ultrapassar os seus problemas só depende dos dois, mas essa pode ser a tarefa mais difícil.

Crítica

Já com uma carreira bastante diversificada - entre curtas, séries de TV e documentários como Piadeiros (2015) – o paulista Gustavo Rosa de Moura estreia na direção de longas ficcionais com este Canção da Volta onde refaz a parceria com sua esposa, a também cineasta Marina Person – Moura foi um dos produtores de Califórnia (2015), dirigido por ela – alçada pela primeira vez ao posto de atriz protagonista. A trama, escrita pelo diretor e pelo roteirista Leonardo Levis, acompanha Eduardo (João Miguel), apresentador de um programa literário de entrevistas que vive um momento conturbado após a tentativa de suicídio de sua mulher, Júlia (Person). Buscando reerguer o longo relacionamento e manter a estabilidade do núcleo familiar ao lado dos filhos Lucas (Francisco Miguez) e Maria (Stella Hodge), Eduardo irá enfrentar o ciúme, a desconfiança e o temor de uma possível recaída da amada.

Adotando a fragmentação e a não linearidade narrativa, Moura provoca a sensação de desorientação e deslocamento que reflete o estado psicológico dos protagonistas, e também acaba servindo como justificativa para algumas mudanças repentinas de atitude, particularmente de Lucas. O cineasta estabelece uma atmosfera densa através da ambientação quase sempre noturna e da fotografia lúgubre, realçando, assim, o aspecto opressor dos espaços físicos, em especial o do apartamento do casal. As sequências oníricas inseridas ao longo da projeção potencializam essa ideia de estar vivendo um pesadelo acordado, além de carregarem um evidente viés metafórico, como quando Eduardo, preso (soterrado) por seus problemas conjugais, encontra todas as portas e janelas de seu apartamento bloqueadas por paredes de terra.

A fragilidade emocional e o desequilíbrio no relacionamento também ganham representações alegóricas, seja em detalhes como a tela rachada do celular de Júlia ou em cenas mais incisivas, como aquela em que Eduardo tenta repetidamente alinhar o lustre torto da sala. Dentro dessa construção de clima claustrofóbica, Moura oferece alguns momentos de respiro para os personagens: nas brincadeiras com a filha, Eduardo e Júlia saindo para dançar em uma balada e, principalmente, nas idas da família à praia. Mas, apesar dessas tentativas de fuga esporádicas, o fantasma criado pela tendência suicida de Júlia acaba arrastando o casal de volta ao enclausuramento. A possibilidade do abandono faz com que o medo de Eduardo passe a ser igual ou maior do que o da esposa e, gradualmente, seu instinto de proteção se transforma em sufocamento.

A obsessão por controle leva Eduardo a crer que não conhece Júlia plenamente como imaginava, gerando um comportamento paranoico que se intensifica com a suspeita de um segredo ligado ao passado da mulher. Sem apresentar uma explicação concreta, Moura sustenta esse mistério em uma zona nebulosa, no limite entre o real e a fantasia, fazendo com que Eduardo desmorone ainda mais psicologicamente: a relação antes próxima com Lucas se torna conflituosa, seu desempenho no trabalho é afetado e o personagem sucumbe à fraqueza, iniciando um caso com sua bela estagiária (Poliana Pieratti). A complexidade da temática nesse debute no universo da ficção denota a ambição de Moura, que exibe um bom domínio técnico e estético.

As citadas cenas de pesadelo com traços surrealistas são exemplos do esmero visual do diretor, visto também em sequências como a de Eduardo vagando em seu carro à noite pelas ruas de São Paulo à procura de Júlia. A exploração das particularidades dos espaços da capital paulista, aliás, é outra qualidade do trabalho de Moura, que conta muito com a competência habitual de João Miguel para canalizar a força de sua história. Com fala pausada e de tom sereno, o ator compõe com precisão a figura de Eduardo como um homem que, pelo amor à esposa e filhos, centraliza as dificuldades e reprime seus reais sentimentos, estando sempre prestes a explodir. Já Marina Person enfrenta um grande desafio como atriz principal estreante e, ainda que hesite em alguns embates com trocas de diálogos mais intensas, no geral se sai bem.

A intimidade da colaboração com o marido – além da utilização do apartamento do casal na vida real como cenário para o lar dos personagens - parece ser um fator positivo para a criação de um ambiente que permita a entrega física de Person, algo imprescindível para o papel. Afinal, é através do corpo que Júlia externa seus desejos e aflições: nas cicatrizes, na dança, no sexo. Por abordar assuntos profundos e de delicado tratamento, o trabalho de Moura não deixa de ter oscilações, seja na literalidade e no timing impreciso de determinadas cenas – quando, durante a festa de aniversário, a filha abruptamente questiona o pai sobre o motivo de a mãe ter tentado se matar – ou no excesso da atmosfera soturna. De qualquer forma, não deixa de ser uma obra promissora, capaz de levar à reflexão sobre a questão da depressão e do suicídio. Em sua conclusão, Moura mostra que muitas vezes o maior ato de amor e proteção é oferecer o espaço, a liberdade - simbolizada pela imensidão do oceano - para encarar sua correnteza, mesmo que se continue observando à distância. Numa imagem que espelha a da bela pintura que decora a parede do apartamento de Eduardo e Júlia.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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