Crítica
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Sinopse
Peru, no auge da crise política dos anos 1980. Georgina é uma jovem dos Andes, cuja filha recém-nascida é roubada em uma falsa clínica de saúde. Sua busca desesperada pela criança a leva até a sede de um grande jornal, onde conhece Pedro Campos, um jornalista solitário que assume a investigação do caso.
Crítica
Canção Sem Nome é ambientado no Peru dos anos 80, país então convulsionado por uma grave crise política. À abertura com imagens e recortes jornalísticos factuais que dão conta desse cenário sobrevém a demonstração das raízes culturais de um povo, como se tal resgate fosse uma forma de resistir ritualística e simbolicamente. A protagonista é Georgina (Pamela Mendoza), originária dos Andes que tira o sustento da venda de batatas. A casa onde ela mora fica num terreno íngreme, registrado para parecer circunscrito entre a realidade e o sonho, algo acentuando pela bruma. Não à toa, em momentos pontuais do longa-metragem de Melina León, os personagens são reduzidos a sombras, artifício que sublinha suas inclinações líricas. Há um rigor diretivo que resulta em planos compostos com requinte e sofisticação, mas sem o ônus da estetização castradora. A realidade, assim, não é tão maquiada por uma cosmética focada na “beleza” advinda da penúria.
A outra figura essencial de Canção Sem Nome é o jornalista Pedro (Tommy Párraga), profissional que demonstra asco no primeiro testemunho do resultado das convulsões peruanas. Ele pode ser entendido como coprotagonista, pois Melina também concede a ele espaço dentro do núcleo das trajetórias sintomáticas. Homossexual, o homem da redação se envolve paulatinamente com o vizinho ator que está ensaiando uma peça do autor norte-americano Tennessee Williams. O roteiro não estabelece claramente os pontos de convergência entre essas existências que se atravessam sem necessariamente complementar-se ou gerar uma terceira via quando paralelas. O recorte, portanto, não é exatamente condicionado pelas temáticas, contudo se abrindo aos indícios de coisas pretensamente imprescindíveis à compreensão de parte significativa daquela totalidade complicada. Todavia, às vezes esse caráter lacunar soa excessivo, quiçá ligeiramente evasivo.
O acontecimento magnetizador é o esquema que envolve o atendimento obstetrício gratuito de mulheres sem condições de dar a luz em lugares interditados à parcela menos abastada da população, mas que encobre um negócio de exportações de bebês a países europeus. Porém, Canção sem Nome não se atém peremptoriamente sobre a busca materna desesperada pelo filho surrupiado com desculpas obviamente esfarrapadas, tampouco se propõe a um diagnóstico profundo das engrenagens necessárias para que a contravenção alcance o seu êxito. Melina León oferece mais estilhaços do que blocos sólidos, promovendo uma costura nem sempre consistente, ocasionalmente resvalando numa frouxidão em parte compensada pela poética das imagens resultantes do trabalho acurado do diretor de fotografia Inti Briones. As luzes, os contrastes, as texturas, a força do preto e branco, as experimentações no nível imagético, tudo isso pesa e acaba sobressaindo.
O envolvimento de Pedro com o vizinho não é diretamente atrelado à opressão que Georgina sofre por ser mulher e andina. Todavia, os infortúnios e as proibições impostas naturalmente os irmanam. O problema é que Melina León aposta excessivamente nessa atração espontânea, sem com isso estofar os personagens para além do necessário a fim deles cumprirem funções arquetípicas. Ela, a mulher que padece desesperadamente por conta do apartamento violento do recém-nascido. Ele, provavelmente impossibilitado de assumir plenamente sua sexualidade, se vê precisando fazer o jogo do status quo para minimamente sobreviver num entorno que não lhe é favorável. Entretanto, essas relações passíveis de entrelaçamentos tanto diretos quanto subliminares não são fomentadas adiante da disposição das condições que as instituem. A beleza dos movimentos e das associações trata de arrefecer o flerte com a apatia e, por fim, garantir o saldo positivo.
(Filme assistido durante a 29ª edição do Cine Ceará)
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