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Sinopse
Ismaël namora Julie. Ambos se relacionam abertamente com Alice. Os três andam (e cantam) juntos por Paris, dividindo intimidades e incertezas até que uma tragédia reconfigura esse triângulo amoroso.
Crítica
Se os grandes musicais de outrora não raro celebravam amores capazes de vencer qualquer obstáculo, em verdadeiras odes líricas a um romantismo que cativava exatamente pela idealização, Canções de Amor se mostra profundamente conectado com seu tempo. Ainda que estilisticamente preste tributo a vários antecessores, encara os elos a partir das fragilidades cotidianas. Não estamos diante, apenas, de uma história romântica, mas de uma colcha na qual os retalhos são diversos relacionamentos complicados, destituídos daquela antiga aura de impenetrabilidade. Ismaël (Louis Garrel), Julie (Ludivine Sagnier) e Alice (Clotilde Hesme) constroem um cotidiano afetivo a três, algo que para muitos remete diretamente à tradição do cinema francês de configurar dinâmicas emocionais que refutam a monogamia – um dos exemplos mais icônicos é Jules e Jim: Uma Mulher para Dois (1962). Não à toa, há também uma alusão visual à Domicílio Conjugal (1970), outro filme de François Truffaut que serve de forte inspiração ao cineasta Christophe Honoré.
Canções de Amor é assim fundamentado nessa referência estética ao passado, mas com os dois pés nas estruturas relacionais do presente, pois não somente o “trisal” define as vicissitudes amorosas. Há incertezas, bem como doses de exasperação pela impossibilidade de encontrar respostas satisfatórias a questões impossíveis de esclarecer. Ismaël demonstra incômodo por Julie e Alice quebrarem o pacto de dormir cedo ao cederem às carícias noturnas. O sujeito não consegue esconder sua imaturidade emocional, aliás, característica de outros que o circundam. Parece o óbvio ululante, mas as músicas deste longa-metragem efetivamente desempenham um papel essencial ao seu alcance dramático. A começar pelas letras, cuja musicalização exacerba a naturalidade da prosa, alcançando notas ora puramente sentimentais, ora necessariamente melancólicas. Depois, as interpretações, que revestem as lindas cantorias com uma natureza corriqueira.
Em Canções de Amor as indefinições são condicionantes. Num primeiro momento, a luta para enquadrar tudo em espaços pré-concebidos, ainda que aparentemente os jovens refutem isso. Julie se sente incomodada com o inquérito materno sobre ménage à trois, exibindo segurança quanto aos aspectos práticos, como a mecanicidade sexual e o compartilhamento da cama. Porém, concomitantemente, não dá conta de entender de todo seu espaço nessa conjuntura, de tal modo que tem ciúmes quando Ismaël acaricia furtivamente Alice. Ademais, apenas aquela que se propõe a ser “uma ponte”, conforme externa numa das canções, está completamente à vontade. Existe um franco tatear de terrenos não integralmente conhecidos, algo potencializado pela ocorrência de uma fatalidade que modifica as coisas. Acompanhando a tristeza instaurada, as toadas adquirem uma penosa carga de saudade, bem como começam a expor o que antes se escondia.
Se comparado a uma enorme referência como Os Guarda-Chuvas do Amor (1964), no qual o ideal romântico é gradativamente substituído pela dureza da realidade que não mais comporta a incondicionalidade do amor, este filme de Christophe Honoré pode ser entendido como um musical contemporâneo, precisamente pelo desenho de seu ethos que comporta os empecilhos desde o começo. Numa atualidade de amores líquidos, de dúvidas asfixiantes sobre o romantismo e os vínculos dentro de uma coletividade individualista, apaixonar-se e, o principal, manter os elos sólidos o suficiente se torna bem mais difícil do que nos filmes de antigamente. Não é somente uma convocação à guerra, tampouco as clássicas interdições familiares que inviabilizam as uniões. Mesmo a morte, que surge obviamente como divisor, não é o único obstáculo a ser transposto. Ismaël demora a encontrar-se após enviuvar. É nos braços do jovem e insistente Erwann (Grégoire Leprince-Ringuet) que ele encontra ternura.
O entendimento da sexualidade em Canções de Amor é também moderno, sobretudo por refutar o lugar-comum do conflito a partir de sua complexidade. As observações dessa ordem são dispostas em instantes simples, como o da mãe curiosa a respeito da transa com mulheres. No mesmo sentido, Ismaël não rechaça inicialmente os avanços de Erwann por temer o envolvimento homossexual – não sabemos se sair com homens seria uma novidade para ele ou não –, mas porque ignora se está pronto para enredar-se novamente. Já o movimento de Jeanne (Chiara Mastroianni), a irmã mais velha da falecida, é curioso. De certa maneira, ela ensaia ocupar alguns espaços deixados pela tragédia, chegando a agir de maneira impertinente durante o luto. O rosto de Ludivine Sagnier pairando no céu enquanto Louis Garrel se desloca tristonho evoca lindamente Truffaut. A utilização das músicas conjura Jacques Demy. Estilisticamente, Christophe Honoré presta um belíssimo tributo a seus mestres. No que concerne ao aspecto humano, demonstra afinação com esta nossa era de interrogações.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 9 |
Alysson Oliveira | 6 |
Francisco Carbone | 10 |
Robledo Milani | 10 |
Chico Fireman | 10 |
Francisco Russo | 7 |
Cecilia Barroso | 7 |
MÉDIA | 8.4 |
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