Crítica
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Sinopse
Em Canina, uma mãe deixa sua carreira de lado para se dedicar à criação de seu bebê em tempo integral. Exausta, começa a conviver com instintos caninos, que afloram a partir de seu intenso estresse e da descoberta de que está mais sozinha do que nunca. Com Amy Adams.
Crítica
Seis vezes indicada ao prêmio máximo da Academia, Amy Adams continua sua busca incansável por reconhecimento que parece sempre escapar por entre seus dedos. Na mais recente tentativa, une forças com Marielle Heller, diretora que transita entre a sensibilidade e o convencional. Após o vibrante O Diário de uma Adolescente (2015) e o preciso Poderia Me Perdoar? (2018), mas também do burocrático Um Lindo Dia na Vizinhança (2019), Heller agora aposta em alegoria visceral sobre maternidade e identidade. A ideia, em tese, é instigante: explorar os instintos primitivos da protagonista para discutir o que significa ser mãe. Mas até que ponto essa exploração se mantém fiel a si mesma?
A trama acompanha uma mulher que abandona sua carreira artística para se dedicar à criação do primeiro filho. Privada de sono, de tempo e, aos poucos, de sua própria sanidade, ela começa a sofrer alucinações, acreditando estar se transformando em um cão. O longa parte desse conceito insólito para traçar estudo de personagem que se ancora tanto no drama psicológico quanto no fantástico. A ausência de nome para a personagem de Adams não é acaso: sua identidade é diluída na maternidade, tornando-se sombra da artista que um dia foi.
Adams entrega atuação intensa, oscilando entre a fragilidade e o instinto de sobrevivência. Sua personagem percebe que a nova rotina não a apenas consome, mas a desconecta de sua própria humanidade. O roteiro propõe reflexão sobre como a sociedade impõe expectativas rígidas às mães, esperando delas entrega absoluta, enquanto as reduz a figuras quase mitológicas. Ao mesmo tempo em que sua transformação física e mental soa aterrorizante, há nela viés de libertação, como se a selvageria fosse, paradoxalmente, a única maneira de recuperar algum controle sobre sua própria existência.
Visualmente, a obra investe na degradação progressiva da protagonista, acompanhada por estilo cru, reforçando o cansaço e a exaustão. As cenas oscilam entre o delírio e a realidade, criando atmosfera de desconforto. O marido, interpretado por Scoot McNairy, serve como contraponto inerte: um espectador passivo, cujas atitudes apenas amplificam a sensação de isolamento da Mãe. A obra questiona o que se espera de uma mulher que se torna matriarca e, ao mesmo tempo, sugere que esse papel pode ser tão inescapável quanto uma sentença.
Entretanto, a princípio, Canina parece disposta a desestabilizar certezas, a subverter discursos prontos sobre a maternidade. Mas, no desenrolar dos atos, algo muda. Em vez de levar seu conceito até as últimas consequências, a diretora recua. O desfecho se acomoda em conforto familiar, como se, ao final da jornada, restasse apenas aceitar o inevitável. Ou seja, flerta com o radical, mas prefere o aconchego. E, ironicamente, o gosto que fica é próximo ao de uma história clássica lançada há seis décadas: Mary Poppins (1964), na qual a lição final não está na mudança, mas na aceitação do papel.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Victor Hugo Furtado | 6 |
Cecilia Barroso | 7 |
Chico Fireman | 6 |
Miguel Barbieri | 6 |
MÉDIA | 6.3 |
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