Crítica
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Sinopse
Sargento Sebastião está em busca de vingança: seu irmão, um caminhoneiro, foi morto brutalmente. Agora, ainda abalado, está disposto a tudo para fazer justiça, nem que seja com as próprias mãos. Em sua jornada, porém, dois policiais da cidade acabam sendo confundidos com os suspeitos, se tornando o alvo principal de Sebastião e causando um rebuliço na região.
Crítica
Chega a ser curioso o embate que se dá entre os manifestantes da Direita e da Esquerda no Brasil quando se arriscam a expressar seus pontos de vista através da arte e da cultura. Afinal, por mais que os esquerdistas sejam constantemente acusados pelos opositores de proporem diferentes formas de doutrinação e alinhamento ideológico, é muito mais fácil e evidente identificar quando uma obra se espelha em um viés conservador e reacionário. Como é o caso desse Cano Serrado, primeiro longa de ficção de Erik de Castro desde o malfadado Federal (2010), título que conseguia combinar nomes como Selton Mello, Carlos Alberto Riccelli e o hollywoodiano Michael Madsen em uma trama que tentava defender as ações da polícia federal, mesmo entre tantos casos de corrupção e incompetência que assolam o país. Dessa vez, ele mira mais alto: o objeto do seu apreço está na força militar, que seria a última instância de segurança e justiça para uma realidade à beira do caos. Seria simplesmente triste, se não fosse irresponsável.
Para quem não sabe, Erik de Castro é irmão de Christian de Castro, diretor-presidente da ANCINE – Agência Nacional do Cinema – no governo Michel Temer. Ou seja, por essa ligação fica clara a proximidade política do realizador de Cano Serrado. Em cena, não perde tempo para deixar claro quem são os seus ‘heróis’: na primeira sequência, o sargento Sebastião (Rubens Caribé) se depara com o irmão, um caminhoneiro, morto após levar um tiro no rosto na beira da estrada. Logo em seguida, a promessa de fazer tudo que estiver ao seu alcance para vingar o assassinato do familiar. Como se percebe, ele levará esse compromisso ao pé da letra, sem se importar com as responsabilidades do cargo que exerce ou as diretrizes da lei. Afinal, “meu instinto nunca falha”, como chega a afirmar em certo momento. Comprovações, testemunhos e trabalho de campo pouca relevância possuem para quem está cego pelo ódio – e de posse das armas e dos meios para fazer valer sua vontade. Nesse momento, basta “ter certeza”, mesmo que essa não se apoie em mais do que suposições circunstanciais.
Luca (Jonathan Haagensen) e Manuel (Paulo Miklos) são dois policiais da cidade grande que partem para o interior rumo a um fim de semana de retiro junto ao pessoal da igreja que o primeiro frequenta. No caminho, param para jantar – quando o malandro dos dois se engraça com uma moça do local – e logo depois para esperar os demais companheiros, que estão vindo de ônibus. Enquanto aguardam, são atacados por uma milícia, que não hesita em chaciná-los a sangue frio: do tipo “atire antes e pergunte depois”. Manuel morre imediatamente, mas Luca consegue fugir. Mas não por muito tempo. Ao pedir ajuda e chamar pela polícia, quem chega são os próprios executores. Após levar um tiro no joelho, que o deixa incapacitado, o oficial é levado pelos militares, e isso porque acreditam que os dois são ladrões de cargas agindo na região – e responsáveis pela morte do irmão do sargento. A partir desse ponto, o que acompanhamos é mais de uma hora de sofrimento e exageros, como se a violência desmedida fosse justificável em busca de uma confissão forçada.
Com o desaparecimento dos dois, seus colegas da capital partem atrás do paradeiro deles. É quando o delegado Marcos (Fernando Eiras) e seus auxiliares, como a perita Sílvia (Sílvia Lourenço) e o agente Rico (Milhem Cortaz), entram em cena. Chega a ser perturbador acompanhar tanta gente talentosa pagando um mico como esse. Cortaz, por exemplo, deve ter umas duas linhas de diálogo no filme inteiro, contentando-se em fazer cara feia a maior parte do tempo. Eiras e Lourenço, por outro lado, se esforçam para defender personagens que sofrem, lá pelas tantas, uma brusca mudança de comportamento – e a transformação deles é da água para o vinho, sem nuance ou qualquer orientação que possa deixar suas performances minimamente críveis. Nada, no entanto, é pior do que o desempenho de Caribé, que começou sua carreira como galã da Rede Globo, teve um momento de popularidade relativa junto a um nicho específico e agora reaparece de forma desajeitada. Ele não convence como figura de autoridade, como atormentado pela dor e muito menos como pai de família – os diálogos com a filha, que surge como um grilo falante declamando palavras de ordem como se fosse sua consciência, são dignas de riso. Em resumo, o embaraço é contagiante.
Não há problema algum em se criar uma história em que o exército está com a razão e a polícia é corrupta: exemplos por aí não faltam. O que complica é usar esse tipo de argumento sem responsabilidade, manipulando emoções e justificando um ponto de visto comprometido ideologicamente, como é o caso de Cano Serrado. Não há nenhum exercício crítico a partir da narrativa, partindo apenas de conceitos rasos, como “para que provas quando se tem intuição?”, os agentes da lei estão todos comprometidos, a tortura é válida quando aplicada em bandidos e quem sabe tudo, no final das contas, são os militares. Sem falar no discurso que aponta a igreja evangélica como a salvação de todos os pecados. Enfim, é tão unilateral que termina por ausentar qualquer ligação com a realidade. Além disso, há também reviravoltas de última hora, composições cênicas mal desenvolvidas (o duelo final é inacreditável) e resoluções ex machina que contribuem para enterrar de vez qualquer aspiração maior do projeto. Poderia ser um thriller policial no mínimo envolvente. O que se tem, no entanto, é uma cartilha pífia que não funciona nem mesmo como entretenimento, indo do constrangimento alheio à vergonha pura.
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