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Sinopse

O cotidiano de um homem de 25 anos, que vive acompanhado apenas de seu cachorro, se abala quando uma modelo entra em sua vida. Ocorre que a moça tem uma doença terminal.

Crítica

Uma das características mais marcantes para quem conhece Daniel Galera sempre foi o olhar: algo que revelava uma insatisfação com as opções óbvias do mercado de trabalho e uma necessidade de trilhar outros caminhos, explorar possibilidades além daquelas apresentadas. Criativo e inteligente, usou um dom natural - a habilidade em escrever - para se firmar como um nome forte na literatura nacional atual. E depois de um volume de contos (Dentes Guardados, Ed. Livros do Mal), partiu para a narrativa longa com o elogiado Até o Dia em que o Cão Morreu (que está sendo relançado agora pela Cia. das Letras). Cão Sem Dono é a versão cinematográfica deste último, assim como o personagem principal seria uma possibilidade do próprio Galera. E justamente porque a leitura de um não é obrigatória para o entendimento do outro, é possível afirmar: tem-se aqui um bom filme. Aliás, muito bom.

Ciro (Júlio Andrade, totalmente entregue ao personagem, numa atuação minimalista e intensa) é um jovem recém formado em letras que ganha a vida como tradutor de russo enquanto não decide o que realmente quer fazer. O longa começa no dia seguinte a uma balada, com ele na cama com Marcela (Tainá Müller, convincente em suas angústias e dilemas), uma garota que conheceu provavelmente naquela mesma noite. Ele está perdido, ela quer ser famosa. Ele não vê porque sair da cama, ela quer viajar e conhecer o mundo. Estranhos um ao outro, aos poucos vão se conhecendo, se entregando, se revelando. E o distanciamento afetivo diminui progressivamente, até o momento em que fica em sintonia com o físico. Mas a paixão que surge não será convencional - afinal, o mundo não é fácil. E a questão é: conseguirão eles encontrarem a si próprios para, quem sabe juntos, construírem uma história única?

Como testemunha ocular desta relação está o cachorro Churras. Vira-lara, um dia resolveu seguir o rapaz até o apartamento em que este vivia e por ali ficou, sem pedir nem exigir nada em troca. Apenas um pouco de atenção e alimento. Questionado sobre o suposto "comportamento" que o dono de um animal de estimação deve seguir, Ciro afirma sem hesitar: "não sou 'dono' dele. sou amigo!" Nesta sentença está a chave da trama: ninguém é de alguém, ninguém pertence a um outro. Somos sozinhos, e podemos - ou não - estar acompanhados. Mas assim como ali está, a companhia pode se ir num estalar de dedos. Cabe ao destino, e, acima de tudo, ao desejo dos envolvidos, fazer de dois um par.

Beto Brant chega com Cão Sem Dono ao seu quinto filme. Este, porém, é o primeiro em que divide os créditos de diretor com seu parceiro Renato Ciasca. Os dois foram colegas no curso superior de cinema, e trabalharam juntos pela primeira vez no curta Aurora (1987), premiado nos festivais de Brasília e Gramado. Apesar de sempre terem colaborado um com o outro, só agora Ciasca assume essa posição. E o resultado é um longa menos pretensioso estilisticamente, mas com grande impacto emocional. A insatisfação do protagonista se reflete na tela, porém sem entediar o espectador, que acompanha a evolucão dos acontecimentos não distanciado, mas envolvido nos pequenos dramas destes cotidianos, tão simples e universais quanto os que nós mesmos enfrentamos seguidamente.

Co-produzido entre São Paulo e Rio Grande do Sul, filmado inteiramente em Porto Alegre com equipe e elenco gaúcho, é um bom exemplo do quão positiva pode ser a parceria entre pólos criativos aparentemente distantes, mas poucas vezes antes tão próximos cinematograficamente falando. Com diálogos geniais - talvez a maior das qualidades do filme - e atuações muitos convincentes, seja pela verossimilhança das situações ou pela naturalidade dos personagens, Cão Sem Dono não quer mudar o mundo nem transmitir uma grande mensagem: apenas mostra uma verdade constante e presente, sem panfletagem ou didatismo. Algo tão simples, mas que faz um mundo de diferença.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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