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Sinopse

Uma piloto precisa voltar no tempo para evitar um desastre global. No entanto, ela acaba por ter 12 anos novamente, o que adiciona outro componente que tende a dificultar essa sua missão de salvar o futuro da humanidade.

Crítica

Um menino com problemas familiares encontra alguém que caiu do céu. No plano simbólico, o seu amadurecimento começa a ganhar forma a partir da aventura que está por vir. Nela, é convocado a se esquecer dos seus problemas e a ajudar o estranho que está longe de casa. Essa breve descrição pode perfeitamente ser utilizada como sinopse para E.T.: O Extraterrestre (1982), um dos grandes filmes infantojuvenis dos anos 1980. Mas, também, pode tranquilamente servir para nos referirmos a Capitã Nova, longa-metragem holandês que chegou ao Brasil diretamente no streaming. Os contextos são bem diferentes, mas várias situações são semelhantes ao colocarmos as produções lado a lado. A protagonista da europeia é Nova (Anniek Pheifer), mulher que mora num futuro distópico. Aliás, as primeiras cenas anunciam um amanhã apocalíptico, com direito a um céu alaranjado que é enfatizado pelas cortinas de poeira. Nesse ambiente, a vida humana é impossível nos exteriores sem a ajuda de trajes especiais e respiradores artificiais. A direção de arte faz bonito ao nos situar nessa realidade aterradora, bem como ao desenhar o interior de um núcleo de resistência do qual saíra uma missão desesperada. Nova é incumbida de retornar ao passado e evitar uma decisão empresarial de efeitos devastadores. Durante a viagem (bonita visualmente), ela volta a ter 12 anos e cai bem em 2025.

Por mais que Nova (na pré-adolescência interpretada por Kika van de Vijver) não seja uma extraterreste, a cena dela sendo encontrada desacordada por Nas (Marouane Meftah) anuncia imediatamente o vínculo com a obra-prima dirigida por Steven Spielberg. Na verdade, são várias as semelhanças entre as produções: Nas transita pela cidade de quadriciclo (Elliot, se deslocava de bicicleta no filme norte-americano); a estrangeira é cuidada e rapidamente se torna alvo da polícia local (como o ET perseguido pelas autoridades da cidade). No entanto, o cineasta Maurice Trouwborst não consegue imprimir a mesma tensão durante uma aventura de resgate que tem implicações subliminares para os personagens prestes a entrar na adolescência. Em E.T.: O Extraterrestre Spielberg modula com muita habilidade a empatia do seu protagonista pelo extraterreste, a ameaça simbolizada pelos adultos que correm para separar os amigos e a necessidade de encontrar uma maneira de fazer o novo companheiro ir embora. Aliás, no longa estadunidense, esse “deixar ir embora” nada mais era do que uma metáfora da separação, uma forma lúdica de Elliot compreender que é preciso permitir aos entes queridos seguirem caminhos diferentes quando eles não se sentem mais em casa. E a grande falha de Capitã Nova é extrair apenas o superficial da sua obra de referência, sem desenvolver essa camada alegórica.

Deixando brevemente de lado a comparação com E.T.: O Extraterrestre, há alguns elementos interessantes em Capitã Nova. Um deles é a predominância feminina em todos os núcleos de personagens. O outro é o fato de o co-protagonista mirim ser um jovem de ascendência médio-oriental, assim como o senhor que o ajuda nos momentos difíceis. O “salvar o mundo” passa, então, pelas valentia e inteligência da população marginalizada nos territórios xenofóbicos da Europa. Enquanto faz de tudo para ajudar a amiga que veio do espaço/futuro, o menino Nas defende que para fazer o certo é preciso lutar até mesmo contra as regras das autoridades. Uma pena que essa personalidade, assim como o dado sócio-político que ela evoca, não são trabalhados como algo fundamental pela direção. A displicência também pode ser identificada em alguns instantes-chave, como quando Nas e Nova ficam enguiçados com o carro quebrado numa estrada praticamente deserta. Não é preciso contar mais do que cinco segundos para um benfeitor aparecer repentinamente oferecendo ajuda sem cobrar nada em troca. Mais adiante, a denúncia de que os jovens passaram por determinado lugar acontece numa dinâmica igualmente mal situada. O carro saindo da garagem (de ré) é uma das conveniências que apenas fazem a história andar, nesse sentido semelhante ao velho recurso das câmeras de segurança que relevam algo.

Voltando à praticamente incontornável comparação entre Capitã Nova e E.T.: O Extraterrestre. O roteiro assinado por Maurice Trouwborst e Lotte Tabbers faz de Nas um menino solitário com problemas domésticos – pelo que dá a entender, ele é criado pelo padrasto que não lhe dá a mínima. Mais à frente, quando se torna efetivamente co-protagonista do filme, o jovem se depara com Nova gravemente ferida. Resgatá-la da instalação militar e permitir que ela retorne ao seu lugar para sobreviver é exatamente o que Elliot faz com ET no filme norte-americano. No entanto, Spielberg utiliza isso como um gesto ao mesmo tempo altruísta e de maturidade - o egoísmo de desejar a permanência do amigo é menor do que a vontade de garantir a sua felicidade. Já Maurice Trouwborst faz dessa lógica apenas um momento escapista, sem, por exemplo, oferecer como contraponto uma resistência considerável dos militares ou a noção do que realmente significa a renúncia. Além disso, como o menino entrou armado numa base militar sem ser revistado? Essas e outras incongruências obrigam o espectador a ser condescendente, a fazer vista grossa e ouvido de mercador, caso pretenda embarcar na aventura sem maiores preocupações. Uma vez que as analogias com E.T.: O Extraterrestre empurram Nas cada vez mais ao protagonismo, Nova perde densidade como personagem principal e, por conseguinte, sua missão se torna um libelo inocente contra a devastação da natureza, um grito de alerta carente de potência.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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