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Sinopse

Íntegro e avesso à polícia, Adriano busca garantir a tranquilidade do presídio onde trabalha como guarda carcerário, ainda que sofra com grandes dilemas familiares. A chegada de Abdel, perigoso terrorista internacional, aumenta a tensão no já convulsionado espaço que vive dias de terror por conta da luta entre duas facções criminosas.

Crítica

Adriano (Rodrigo Lombardi) poderia seguir a carreira de professor de história, mas prefere o cargo de carcereiro numa prisão perigosa. A filha aponta vagas de professor num jornal, lamenta os riscos da vida entre presidiários (“Eu já não tenho mãe!”), porém o pai é irredutível em sua vocação. Adriano representa uma figura apartidária, para quem todos os governantes são todos igualmente ruins, mas que acredita na necessidade de manter os internos em segurança. Este trabalhador alheio ao espectro direita-esquerda, porém dotado de irretocável senso moral, constitui o protagonista de Carcereiros: O Filme. Ele representa a única espécie de herói vislumbrado neste país polarizado: um “homem de bem” que respeita os presos sem erguer a bandeira dos direitos humanos, que se considera ainda mais íntegro por sobreviver num sistema corrupto.

Esta figura do benfeitor poderia soar deslocada num drama realista, porém o projeto prefere os códigos do suspense e da ação, caso em que o porte bruto, porém respeitoso do negociador vem a calhar. O diretor José Eduardo Belmonte surpreende ao oferecer um projeto enxuto, de curta duração, focado apenas no que interessa: a tensão permanente sobre uma ameaça de rebelião a todo instante. Desde as frases de efeito na descrição inicial (“Eu entro no inferno todo dia”, “Facção é guerra, e guerra não tem juiz”) até as profecias de um interno com distúrbios psiquiátricos (“Hoje é dia de ira. Não vai sobrar demônio no inferno”), o espectador sabe que a intenção deste roteiro é promover o caos, fazer a cadeia explodir, simbólica e literalmente, para o prazer fetichista de observar a matança dentro de um lugar fechado.

Em termos de ação, portanto, o filme deve encontrar seu público. A narrativa não perde tempo apresentando interesses amorosos, filhos pequenos ou qualquer outro elemento capaz de aumentar os riscos emocionais da jornada. Quando a prisão pega fogo, resta apenas a lógica do ataque e da defesa. As cenas da invasão são filmadas em planos curtíssimos, com a câmera na mão tremendo para todos os lados, enquanto a fotografia apaixonada pelo contraluz e pelos tons multicoloridos reduz carrascos e vítimas a silhuetas escuras com uma arma na mão. Não se sabe ao certo quem está atirando ou quem está sendo baleado – mas por este ponto de vista, quem se importa de fato? Oferece-se o prazer da ação em si, o tiroteio pelo tiroteio, como num videogame (às vezes literalmente) em primeira pessoa.

Esta decisão, eficaz em termos de ritmo e imersão, também resulta muito problemática no que diz respeito ao humanismo da trama. É muito diferente empilhar corpos anônimos num slasher adolescente ou num terror sobrenatural, mas o valor de uma matança se modifica dentro de um contexto tão próximo da realidade brasileira quanto uma prisão marcada por facções, presos privilegiados e um sistema corrupto. Existe uma responsabilidade muito maior no retrato desta cadeia, embora Carcereiros prefira tratar todos os homens ali confinados como cadáveres em potencial. A chegada de um terrorista na prisão não traz qualquer explicação quanto à ideologia deste homem; a briga entre facções jamais explica o que opõe as duas, vistas como equivalentes e intercambiáveis; a presença de um doleiro jamais explica a quem suas delações privilegiariam. Novamente, o filme sobre uma questão evidentemente política evita a política a todo custo.

Fugindo ao cerne da questão, esses prisioneiros se tornam iguais, algo que Adriano apresenta como uma conquista (ou seja, a implicação de uma configuração mais democrática), mas apenas implica na facilidade de eliminar a todos eles sem se importar qualquer um. Personagens fundamentais à trama são abatidos sem consequência à narrativa, que precisa seguir em frente, para o próximo corredor, o próximo inimigo. Neste contexto sangrento, apenas os heróis são à prova de balas, enquanto os outros corpos servem para reforçar a periculosidade do ambiente e, por consequência, a benevolência de Adriano em querer continuar ali dentro. O filme recorre ao imaginário popular do banditismo, para o qual estes homens seriam apenas selvagens querendo apenas matar uns aos outros. “Ninguém vai sentir falta de vocês”, brada o personagem de Jackson Antunes, e ele tem razão, pelo menos no que diz respeito ao olhar da direção.

O elenco traz algumas escolhas curiosas. Rodrigo Lombardi é um ator de recursos, muito confortável em sugerir tensão e ambiguidade (como demonstrou no recente O Olho e a Faca, 2018), porém Kaysar Dadour se mostra limitado nas duas grandes cenas em que aparece, e tanto Jackson Antunes quanto Tony Tornado soam como escalações pouco proveitosas para seus papéis. Os ótimos Rômulo Braga e Rainer Cadete ocupam papéis que infelizmente não têm possibilidade de aprofundar, devido às limitações do roteiro. De fato, o contexto é tão apressado ao introduzir uma dúzia de figuras relevantes para a trama que nenhuma delas ganha uma caracterização adequada – o que torna suas mortes ou desfechos ainda mais leves, inconsequentes, algo bastante problemático em se tratando do retrato de uma grave questão social.

Talvez este seja o aspecto mais incômodo do projeto como um todo: o senso de inconsequência. Mesmo se apresentando como um dia excepcional na vida de Adriano e da prisão, ao final o herói retorna à cadeia, repetindo o movimento de início, prestes a recomeçar seu trabalho de gestão diplomática e não violenta. Ora, um massacre acaba de ocorrer – ainda há presos para vigiar, no dia seguinte? – mas não acompanhamos as consequências na mídia, nas famílias das vítimas, ou ainda na política nacional. Este era apenas mais um massacre. Como o nosso herói não se importava de fato com nenhum destes mortos, para ele resta apenas voltar ao batente, para um dia de trabalho qualquer. Esta escolha talvez vise demonstrar sua resiliência e senso de retidão, mas apenas comprova a indiferença do protagonista, e do filme como um todo, em relação ao conteúdo humano abordado.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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