Sinopse
Crítica
O curta-metragem Cargo (2013) tem uma força particular, que reside basicamente no seu desfecho. O modo encontrado por um pai em desespero para salvar a filha, ainda bebê, é criativo, tocante e revela um anti-niilismo inesperado em tramas de apocalipse zumbi – sendo as reflexões sobre o pior do humano sempre tão inerentes a essas premissas. Dirigida pelos mesmos Ben Howling e Yolanda Ramke do curta original, a versão longa-metragem segue esse raciocínio, mas acaba descobrindo que diluir aquele impacto comovente em pouco mais de uma hora e quarenta minutos exige um pouco mais que uma única boa ideia.
Assim como anteriormente, Cargo fala sobre um pai, Andy (Martin Freeman), recém-mordido por um zumbi, o que dá a ele algumas horas antes de se tornar uma ameaça à filha recém-nascida, Rosie. Sem perspectiva de cura, o homem infectado deve achar alguém para cuidar da bebê. Mas como fazer isso num mundo pós-apocalíptico? A diferença, aqui, é que a trama começa antes, quando Andy ainda não está sozinho. Ele, sua esposa Kay (Susie Porter) e a pequena Rosie viajam por um rio numa balsa, procurando um local seguro para ancorar. Ao abordar um veleiro à deriva, Kay acaba mordida e tudo se transforma numa cascata de dominós.
Aliás, o filme brinca com a expectativa de quem já conhece a trama original. Quando atraca na pequena embarcação, existe uma tensão em cima de Andy, pois sabemos que, seguindo a ideia anterior, ele deverá ser infectado. Mas o momento funciona mesmo para os novatos, pois Howling e Ramke conseguem estabelecer bem o espaço claustrofóbico do veleiro, e a falta de saídas e fuga em caso de emergência. Pena que esse seja o único momento em que conseguem criar alguma tensão. Para um apocalipse zumbi, a Austrália desértica acaba se mostrando bastante relaxada. Os poucos sobreviventes que Andy encontra pelo caminho não parecem muito preocupados com a situação, e nem mesmo o cruel Vic (Anthony Hayes) acaba sendo um grande obstáculo.
Por isso tampouco funciona a relação de Thoomi (Simone Landers) com seu pai. A menina aborígene defende o zumbi em que o homem se tornou, pois acredita que seu estado pode ser revertido se encontrado um curandeiro. O arco toma grande tempo de tela, mas não desenvolve qualquer tridimensionalidade ou reflete sobre os costumes dos nativos australianos no contexto do apocalipse. E quando sua história finalmente se junta com a de Andy, o filme perde a chance de estabelecer um contraponto entre duas jornadas similares – prefere adotar um caminho seguro em que Andy já se afeiçoa à menina, adotando-a também.
E mesmo que tudo isso possa ser bonito e positivo, existem duas consequências. Primeiro, Cargo não consegue gerar tensão. A jornada de Andy jamais soa desesperada, parece, na verdade, que ele ignora diversas soluções. Segundo, sem ameaça para contrastar, esses momentos mais delicados perdem força. O resultado é bastante asséptico e distante, e o visual predominante num monocromático laranja desbotado não ajuda – a trama é quase toda ambientada no deserto. Martin Freeman pode ser um ator de muitos talentos, mas ele tem um “tipo” britânico esnobe inegável (daquele que consideraria um inconveniente imensurável ter de atender o telefone depois das 19h), o que também dificulta que crie personagens muito dóceis e carismáticos.
Assim, a nova versão do desfecho chega enfraquecida e, honestamente, um tanto tola. Não era a visualidade da cena que importava, mas o teor. Ben Howling e Yolanda Ramke parecem ter desentendido isso em algum ponto da trajetória.
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olá! acabei de ver este filme. Estou em prantos, lindo demais. Achei tudo PERFEITO! Martin conseguiu me fazer voltar acreditar que o ser humano, quando ama, faz o impossível. Felizmente, não vi defeitos pois o filme é um drama, não é mesmo?