Crítica

Com o título internacional Sheep (ou Carneiro, em uma tradução literal), o francês Mouton é sobre um garoto que, apesar de batizado como Aurélien, atende por esse apelido. A primeira cena já é bastante forte: enquanto uma mulher calmamente tenta explicar a situação, a outra, no lado oposto da mesa, discute bravamente. A que domina a conversa é, provavelmente, uma oficial do governo que esclarece a decisão judicial àquela mulher que, a partir daquele momento, está proibida de ver o próprio filho, simplesmente por não ter condições de criá-lo. Mas há mais envolvido: o fator decisivo para esta questão foi o fato do menino – um adolescente, na verdade – pedir para se afastar dela. Ali começa uma jornada que parece igual a tantas outras, mas que não será abordada de forma convencional pelos seus realizadores.

Mouton – vamos chamá-lo assim, ok? – é um rapaz circunspecto, franzino e de poucas habilidades. Apesar de carregar o nome do filme, a obra não é essencialmente sobre ele. Após esse primeiro momento, não mais voltaremos ao episódio familiar que motivou a separação dos dois – não se sabe os porquês envolvidos nesse processo, o que ela fez para que ele não a queira mais, o que o menino representa – além do óbvio – para que ela insista em lutar por ele. Carneiro oferece muito mais perguntas do que respostas, e sua estrutura se dá quase que por completo a partir de elipses narrativas. Nesse segundo instante, portanto, o vemos nessa vida solitária, em que passa os dias como ajudante em um restaurante, acordando ainda de madrugada para receber os peixes frescos e colaborando com as atividades na cozinha. Descobrindo uma profissão, se envolvendo no primeiro amor com a nova garçonete, estabelecendo uma relação fraterna com os amigos que no fim de semana o aceitam como um deles e, juntos, passeiam à beira mar. É uma vida comum, corriqueira, sem esperanças nem surpresas. Até que justamente o inesperado acontece.

A partir da metade da narrativa de Carneiro o filme simplesmente se desconstrói, tendo como ponto de virada um episódio tão banal quanto inexplicado. A gratuidade do ato que põe fim ao destino até então traçado para o protagonista o arranca daquela trajetória, assim como da obra em si, eliminando-o da ação. Acompanhamos aquelas vidinhas patéticas e cinzas no pequeno vilarejo com Mouton, na pouca diferença que ele faz, e depois sem sua presença, e em como tudo permanece praticamente o mesmo. Os casais continuam se casando, quem é bom segue assim, assim como o mal se mantém presente. Do garoto há uma lembrança, quase um constrangimento geral por não terem sido capazes de protegê-lo, salvá-lo, ajudá-lo. Tentativas de contato serão eventuais, cada vez mais raras, e nem ele, nem os que ali permanecem, parecem assim perceber qualquer mudança.

Os diretores e roteiristas Gilles Deroo e Marianne Pistone decidiram criar um ambiente mais próximo possível do real em sua obra. Trabalhando quase que exclusivamente com não-atores, apoiam-se apenas em Michael Mormentyn, no papel de Mouton, cujo único crédito anterior é o média-metragem Hiver (Les Grands Chats), de 2009, também realizado pelo casal de cineastas. Uma naturalidade quase ofensiva é o resultado que alcançam, o que colabora no afastamento entre longa e plateia. É difícil se encontrar nesta trama, principalmente a partir do momento em que ela assume um tom absurdamente aleatório. Questiona-se muito em Carneiro. Porém a maior dúvida talvez seja descobrir quem, ao final de sua projeção, estará preocupado com estas respostas.

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