Caros Camaradas: Trabalhadores em Luta
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Andrey Konchalovskiy
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Dorogie tovarishchi
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2020
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Rússia
Crítica
Leitores
Sinopse
Membro devotada do Partido Comunista, Lyudmila detesta qualquer sentimento anti-soviético. Durante uma greve na fábrica local, ela testemunha trabalhadores sendo mortos a tiro por uma polícia a mando do governo que ela tanto defende. Sua visão de mundo, até então inabalável, começa a ruir.
Crítica
Todo e qualquer regime político possui as suas incongruências. Em certo momento de Caros Camaradas: Trabalhadores em Luta, um membro do alto escalão do Partido Comunista identifica a contradição do Estado socialista. O governo não digere bem o movimento grevista dos operários de uma fábrica de locomotivas na União Soviética. Logo depois disso vem o capítulo histórico conhecido como a Revolta de Novocherkassk, no qual a insurreição dos trabalhadores foi covardemente coibida pela ação combinada do exército soviético e da KGB. Estima-se que nele 26 manifestantes foram executados enquanto pleiteavam condições melhores de vida e quase 100 ficaram feridos. O cineasta Andrey Konchalovskiy olha para esse episódio a partir da experiência transformadora de Lyudmila (Yuliya Vysotskaya), comunista devotada que nos é apresentada como uma mulher forte que sobrevive aos tempos difíceis. A contestação de sua adesão quase irrestrita à ideologia que comandava o país vai sendo alimentada pelos fatos. Desse modo, temos uma personagem em crise não somente por conta da agitação que tensiona o entorno, nem estritamente pela divergência com a filha operária, mas sobretudo por conta dessa queda em si. Uma vez confrontada pela face menos bonita do comunismo, estrutura na qual confia piamente como a alternativa coletiva ideal, o que restará para ela como parâmetro?
Em vez de observar tudo a partir da classe trabalhadora, Andrey Konchalovskiy prefere desenhar a agitação por dentro das camadas do Partido Comunista. Há diversas cenas em que assistimos a reuniões emergenciais nas quais homens de postura agressiva confabulam para asfixiar a revolta proletária. Essa abordagem tem algo de funcionalista, já que nos permite compreender melhor como atuam as engrenagens do Partido Comunista e de que maneiras elas são organizadas a fim de garantir a sustentação do regime. No entanto, o experiente realizador não faz de Caros Camaradas: Trabalhadores em Luta um panfleto contra o bolchevismo, ainda que sobressaia um evidente desejo de colocar em xeque diversas discrepâncias entendidas como sérias inadequações. Fotografado num belíssimo preto e branco – concepção a cargo de Andrey Naydenov –, o longa-metragem traz inicialmente Lyudmila como uma pessoa de modos práticos e comportamento orientado pela ordem. Sua apresentação é um exemplo bem-sucedido de síntese cinematográfica. Para mostrar do que é feita a personagem, a câmera a acompanha do seu acordar ao lado amante, passando pela breve parada no mercado a fim de garantir mais comida do que a maioria dos vizinhos, chegando até a sua casa. Nesse meio tempo, os diálogos soam naturais, não sendo meramente expositivos. O importante está nos gestos e nas veemências.
Em Eles Não Usam Black-Tie (1981), o cineasta brasileiro Leon Hirszman intensificou as diferenças ideológicas ao transforma-las no principal motivador de uma ruptura familiar. O pai grevista vivido por Gianfrancesco Guarnieri tem embates fundamentais com o filho interpretado por Carlos Alberto Riccelli. A distância entre o pensamento essencialmente politizado de um e a pouca disposição do outro por lutar em prol de um bem coletivo impõe uma rachadura drástica. Em Caros Camaradas: Trabalhadores em Luta, Andrey Konchalovskiy não se detém necessariamente numa oposição análoga entre a mãe regida pela cartilha do Estado e a filha que arrisca a vida para reivindicar condições melhores à categoria. Na verdade, à jovem Svetka (Yuliya Burova) nem é dado espaço para expressar a suposta profundidade de sua consciência de classe. O foco fica restrito na desconstrução gradual das bases essenciais da mãe obrigada a encarar a realidade. Tanto que é a partir da experiência angustiada dela que enxergamos a Revolta de Novocherkassk. Consumado como fato histórico, o evento aqui serve como um abalo sísmico capaz de agredir as concepções da pessoa que vê no comunismo a única forma para viver bem. Nas bordas dessa experiência íntima e pessoal à qual somos convidados há toda um sistema sendo pressionado pelas demandas de um povo pobre e cansado de sofrer.
O socialismo prega bem-estar amplo e irrestrito. Portanto, são absurdos devidamente sublinhados por Andrey Konchalovskiy as confabulações de integrantes do Partido Comunista tentando gerar soluções para frear a manifestação popular. A própria Lyudmila chega a solicitar que o exército seja municiado para responder violentamente ao levante dos operários, o que confere outra nuance ao seu martírio (pois sugere a culpa) quando Svetka é dada como desaparecida. A jornada da mãe por vários ambientes em busca da filha ferida, do cadáver da menina ou de informações a respeito de uma eventual prisão é utilizada também para expor procedimentos, comportamentos e organizações. O experiente cineasta russo não torna a revolução espetacular e tampouco investe na demarcação das emoções. Assim, angústias, pesares e afins parecem se desprender organicamente das ações, sobretudo as da protagonista vivida com excelência pela atriz Yuliya Vysotskaya. O ataque do exército soviético aos grevistas de Novocherkassk não é tão diferente, em tom e resultado, da repressão das tropas do Czar aos marinheiros revoltosos do Couraçado Potemkin em 1905. A relação nem precisa ser sublinhada por Konchalovskiy. Não há, sequer, menção ao filme seminal de Sergei Eisentein sobre o acontecido. Mas, a semelhança está disponível, histórica e cinematograficamente. E ela reafirma nessas entrelinhas a desilusão da protagonista com a ideologia que até ali era o seu principal pilar.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 8 |
Chico Fireman | 7 |
Francisco Carbone | 7 |
MÉDIA | 7.3 |
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