Crítica
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Sinopse
A trajetória do vírus HIV e da AIDS no imaginário brasileiro, abordando desde a epidemia, com milhares de vítimas especialmente nos anos 1980 e 1990, até a atualidade em que ainda persistem os preconceitos. Médicos, personalidades, políticos, pessoas que convivem com o vírus e representantes de movimentos sociais refletem sobre a evolução dos tratamentos e os estigmas ainda persistentes.
Crítica
Do surgimento, cercado de incógnitas, da epidemia de uma doença até então desconhecida, no início dos anos 1980, chegando aos novos tratamentos que possibilitam o controle efetivo da patologia nos dias atuais, o documentário Carta Para Além dos Muros, do diretor André Canto, refaz a trajetória do vírus HIV e da AIDS no Brasil, se valendo de uma estruturação simples, mas bastante eficaz à transmissão do conteúdo abordado. A narrativa segue precisamente a ordenação cronológica dos fatos, pontuando os momentos relevantes, de virada, e ressaltando o papel de figuras importantes dentro do contexto da luta pela prevenção, tratamento e direitos dos pacientes soropositivos. Para isso, Canto intercala um vasto material de arquivo, com trechos de uma série de matérias jornalísticas televisivas, a um número igualmente extenso de entrevistados, que vão de personalidades como o crítico, escritor, ator e cineasta Jean-Claude Bernardet e o jornalista João Silvério Trevisan, até anônimos que convivem com a doença.
Além destes, ativistas e membros de organizações não governamentais, bem como políticos – casos de José Serra e José Gomes Temporão, ambos ex-ministros da Saúde – e médicos especialistas, como o Dr. Dráuzio Varella e os dermatologistas Paulo Roberto Teixeira e Valéria Petri (a responsável pelo primeiro diagnóstico do HIV no Brasil) também contribuem para o relato. Da união entre os depoimentos e as imagens das antigas reportagens, constrói-se a representação do panorama histórico que marca cada fase da epidemia, como o pânico inicial causado pela desinformação e a gradativa familiarização da sociedade com o tema, algo que passa pela conexão com figuras públicas que perderam a vida em razão da AIDS, como o sociólogo Betinho e o cantor Cazuza – a mãe deste, Lucinha Araújo, está entre os depoentes. Tal construção, de certo modo, acaba expondo um retrato mais amplo da própria sociedade brasileira, especialmente por toda a carga de preconceito que acompanha a doença.
Assim, os chamados “grupos de risco”, como denominavam os termos médicos nos anos 80 e 90, ganham mais voz no longa, em particular a comunidade LGBT, levando à abordagem daquele que se torna o tópico central da obra: o estigma da doença. Uma vez que, hoje, os efeitos biológicos podem ser definitivamente controlados por meio de um tratamento menos nocivo, possibilitando uma vida normal aos pacientes, o principal mal causado pela AIDS acaba, muitas vezes, sendo de ordem psicológica, pela maneira como grande parte da sociedade ainda ao marginaliza. Ordenando todo esse fluxo de informações habilmente, graças a um bom trabalho de montagem, e de um modo instrutivo, porém, sem soar professoral ou como uma mera sucessão de verbetes didáticos e superficiais, Canto oferece também uma boa dose de humanidade ao buscar os depoimentos mais pessoais, tratando de experiências intimas com bom-humor e sensibilidade.
Ainda que no geral sua condução seja convencional, o cineasta tenta inserir alguma carga lúdica à narrativa ao trazer como fio condutor o relato de um jovem recém-diagnosticado com HIV, que recebe o nome fictício de Caio em homenagem ao escritor Caio Fernando Abreu – que, por sinal, é também a inspiração para o título do longa, referência ao livro Cartas. As imagens que acompanham o personagem num passeio reflexivo por pontos conhecidos da cidade de São Paulo proporcionam a fuga do registro mais esquemático das entrevistas gravadas em estúdio, garantindo uma dinâmica mais agradável ao conjunto. Para conectar as duas vertentes, Canto utiliza um elemento visual/cênico, as portas abertas ao fundo do ambiente das entrevistas com a projeção das imagens do trajeto percorrido por Caio. Se esteticamente tal escolha não resulta tão bem resolvida quanto em seu aspecto simbólico, ao menos outra ferramenta visual, as manchetes de jornal que pontuam o andamento cronológico, se mostra mais efetiva.
Mesmo apresentando algumas outras fragilidades – como a trilha sonora emotiva contínua, que em determinados momentos destoa do tom até leve e não apelativo dado ao tema denso – Carta Para Além dos Muros cumpre bem não apenas o papel informativo, como também o de agente promotor do debate e reflexão sobre a necessidade de desestigmatização e sobre os perigos de um aparente retrocesso atual no que diz respeito à informação e à conscientização acerca da AIDS, em especial entre os jovens.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Leonardo Ribeiro | 6 |
Bruno Carmelo | 6 |
MÉDIA | 6 |
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