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Crítica


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Sinopse

Após a morte do marido em um acidente, uma mulher grávida e sua mãe lutam para sobreviver no rigoroso deserto do nordeste brasileiro com a ajuda de um morador local.

Crítica

Uma experiência revolucionária. Assim pode ser descrito Casa de Areia, terceiro longa-metragem de ficção do diretor Andrucha Waddington. Assim como em seus trabalhos anteriores, o cineasta volta a trabalhar em um roteiro de Elena Soárez (premiada em Gramado por Vida de Menina, 2003). A idéia do filme, no entanto, veio do produtor Luiz Carlos Barreto, responsável pelos indicados ao Oscar como O Quatrilho (1995) e O que é isso, companheiro? (1997). Nascido de um esforço conjunto entre os principais nomes do cinema brasileiro, como Barreto, Daniel Filho, Globo Filmes e Conspiração Filmes, tem-se aqui um épico familiar que custou mais de 8 milhões de reais, um recorde para sua época, mas cujo resultado espelha em cada cena o valor deste investimento.

Filmado inteiramente nos Lençóis Maranhenses, esta é uma obra que impressiona mais pela grandiosidade dos talentos envolvidos e pela emoção provocada por sua história do que pelos números apresentados, no entanto. Casa de Areia nos conta o infeliz destino de duas mulheres, mãe e filha, arrastadas para uma região desértica no interior do nordeste brasileiro pelo genro de uma e marido da outra. Com a morte prematura dele, ficam sozinhas no local, sem ter como sair, dando início a uma luta desesperada pela sobrevivência. O que vai se estabelecer, então, será um aprofundamento entre as diferenças que a maturidade fornece: enquanto a mais velha se conforma e tenta obter das condições disponíveis o melhor possível, a jovem continuará persistindo e lutando, nem que em busca de uma mudança ela tenha que desistir do próprio corpo. Nada, porém, é mais forte do que o tempo, que terminará por derrubar as resistências, transformando uma em outra de modo irreversível e arrebatador.

Se a narrativa inebria o espectador pela imensidão de sentimentos propostos, consegue ser um destaque ainda maior no filme as atuações complementares de Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. Além das questões familiares óbvias (Montenegro é mãe de Torres, e esta, por sua vez, é casada com Andrucha), a parceria estabelecida entre elas é fenomenal, cada uma seguindo os passos da anterior sem tropeços nem alterações. São três gerações de mulheres, uma substituindo a outra, comovendo sem exageros através de desempenhos irretocáveis e de grande entrega. Na maioria das vezes, a troca de olhares e expressões falam mais do que os diálogos, estes por sua vez econômicos, recorrendo somente ao indispensável.

É curioso também notar que num longa em que a trilha sonora é quase ausente, o silêncio adquire uma importância significativa, compondo por si só um personagem. Mesmo assim, um dos momentos mais emocionantes da trama tem seu foco numa canção, que surge de forma inesperada e precisa. Além do fato de termos tantos cantores profissionais envolvidos na produção atuando aqui como intérpretes – Luiz Melodia, Seu Jorge, Jorge Mautner, Nelson Jacobina – ou seja, distantes do seu habitat natural, como se a presença deles nos remetesse às suas atividades tradicionais, mas apresentando-os privados deste talento. Mais um jogo de detalhes e elementos dispostos em um comentário pertinente pelo realizador, que apenas favorece uma fruição ainda mais rica e recompensadora.

Casa de Areia é cinema brasileiro com letra maiúscula, uma obra madura que merece ser apreciada e, acima de tudo, sentida. Sua história aposta no contraponto que estabelece com o espectador, exigindo deste uma visão que vai além do convencional, exemplificando no dilema desta tradição feminina familiar tão única a própria trajetória da humanidade, dividida entre os que insistem em permanecer no escuro e aqueles que arriscam o que tem em busca de esperança. Qual dos caminhos é o mais certo? Somente o tempo poderá afirmar com certeza. O importante, aqui, não é conquistar, mudar ou fugir. É, sim, acreditar, nem que seja no dia seguinte.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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