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Crítica


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Sinopse

Lucia está dividida entre sua família, que ficou no Kuwait, e a nova vida que leva com o marido no Brasil. Após alguns anos, ela precisa voltar urgente ao seu país de origem. Neste retorno, ela percebe as diferenças culturais dos dois países e começa a refletir sobre sua condição como refugiada no Brasil.

Crítica

Lucia Luz é uma refugiada síria no Brasil. Depois de alguns anos sem regressar ao Kuwait, país ao qual sua família migrou quando a guerra tornou praticamente impossível permanecer, ela segue o caminho do Oriente Médio para uma temporada de reencontros. Ao que tudo indica, João Marcelo, que toma a iniciativa de documentar essa história, não consegue o visto para entrar na terra estrangeira, assim delegando à Lucia a tarefa de registrar tudo, tornando-a codiretora. A Casa de Lucia possui, então, uma construção singular, exatamente porque a protagonista se encarrega de, em meio ao torvelinho de emoções, filmar o material posteriormente organizado. Disso sobrevém um flagrante estado de proximidade, de intimidade, que infelizmente não dá conta de esquadrinhar a questão dos expatriados por outros vieses, senão o afetuoso, este sem dúvida bem exposto, apesar da narrativa frágil.

A Casa de Lucia possui dois diretores trabalhando em esferas distintas. Lucia orienta o nosso olhar, escolhendo o que devemos ou não ver da viagem. Claro, abundam momentos caseiros, de interações com seus consanguíneos. Recorrentes são, também, as conversas remotas entre ela e João Marcelo, no mais das vezes platitudes concernentes a algo que já vimos anteriormente. Aliás, o brasileiro perde chances valiosas de extrair da síria mais que a superficialidade de suas sensações conflitantes, comportando-se passivamente. Nesse sentido, é Lucia quem dá as diretrizes, ocasionalmente deixando a seara social invadir seus relatos emocionados, instantes em que o filme ganha consistência. A reiteração de festejos e idas ao shopping deflagram a privilegiada situação econômica dos parentes. Já a refugiada demonstra aflição pela série de restrições às quais os moradores do Kuwait são submetidos, verbalizando a vontade de voltar.

No Brasil, Abed, o marido de Lucia, aguarda o retorno da esposa, preparando a nova casa deles. João Marcelo opta por não apresentar em paralelo esse percurso, persistindo num roteiro cujo privilégio é a repetição, tanto de procedimentos quanto de ideias. São relativamente poucas as passagens em que a experiência de Lucia consegue transcender seu intrínseco caráter pessoal, aludindo aos problemas dos conterrâneos. A Casa de Lucia acaba se tornando refém da compreensível felicidade de Lucia novamente na companhia de seus pais, irmãos e demais semelhantes. Levando em consideração a direção a quatro mãos, falta especificamente ao realizador brasileiro, além de tudo mais experiente no que tange às ferramentas puramente cinematográficas, dotar o longa-metragem de outra visão, que não a da sua protagonista-colega, óbvia e fortemente comprometida pelos sentimentos.

Quando no Brasil, Lucia deixa sua posição de diretora, voltando a ser investigada pelo olhar de outrem. Todavia, nada realmente significativo acontece para substanciar esse novo segmento, semelhante aos demais em forma e conteúdo. O reencontro do casal é cercado de alegria, numa cena capturada por João Marcelo quase como um vídeo caseiro, decorrência de sua proximidade com as pessoas envolvidas, por certo, mas também abordagem burocrática, num tom que apenas antes, dadas as circunstâncias, era plenamente justificável. Longe de confrontar diferenças culturais, de apresentar os contrastes ou mostrar a situação dos refugiados no território escolhido como nova morada, A Casa de Lucia nos põe em contato epidérmico com a conjuntura gerada a partir da necessidade de abandonar a terra natal e reconstruir a vida longe dos seus. O desperdício de potenciais inerentes à questão dos exilados é, aqui, o calcanhar de Aquiles.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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