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Crítica


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Sinopse

Um cineasta chega um dia antes à cidade que promoverá a exibição de seus filmes seguida de debate. Ele aproveita o tempo livre para passear e acaba conhecendo uma artista plástica. Tudo vai bem até que ela pergunta se ele é casado.

Crítica

Na primeira cena de Certo Agora, Errado Antes, um dos protagonistas, o diretor de cinema hospedado no interior da Coréia do Sul para participar do festival local, verbaliza em off a necessidade de resistir à beleza da assistente que o espera. O posterior e ocasional encontro com a outra personagem principal reforça a opressão das impossibilidades. A interação entre eles é truncada, com ambos disfarçando seus reais sentimentos e opiniões. Ele elogia os quadros dela com o mesmo argumento utilizado para definir o próprio processo criativo. Já a garota evita qualquer passo adiante na relação estabelecida, travada por uma falta de confiança que não a permite, tampouco, ser plenamente sincera. O cineasta Hong Sang-soo aposta nas longas conversas, nos diálogos que movimentam a cena. Não à toa, o sul-coreano é comparado com frequência ao francês Erich Rohmer.

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Os principais diálogos do casal ocorrem em torno da mesa, aditivados pela bebida alcoólica que trata de desafrouxar alguns nós, ao passo que convoca as fragilidades. A dinâmica entre eles é repleta de interditos. Aos poucos, as coisas irremediavelmente caminham para um final amargo, no qual a ira toma o lugar do possível afeto que deveria germinar entre Ham Cheon-soo (Jeong Jae-yeong) e Yoon Hee-jeong (Kim Min-hee). Aí o filme acaba. Acaba para recomeçar modificado por detalhes imprescindíveis. Partimos do mesmo lugar na segunda parte de Certo Agora, Errado Antes, acompanhando a chegada do diretor e seu encontro com a artista plástica que bebe leite num templo. Contudo, o que parecia somente distinto por conta dos enquadramentos, de pormenores como a luz que banha o descanso do protagonista masculino e antes inexistia, por exemplo, apresenta progressivamente alterações radicais, ainda que os caminhos e as paradas sejam iguais.

Não se trata apenas de privilegiar pontos de vista diferentes, mas de mostrar que os relacionamentos dependem da conduta, muitas vezes de como encaramos as dificuldades surgidas. Hong Sang-soo reforça em Certo Agora, Errado Antes a diversidade dos encontros, cujos desdobramentos variam de acordo com o posicionamento das pessoas diante das idiossincrasias alheias e dos entraves cotidianos. Na primeira parte do filme, os contatos parecem menos turbulentos, mais conscienciosos e amenos. Já na segunda, em que a franqueza não pede licença às convenções sociais, irrompendo nas mais variadas situações, a inquietação é vista como natural e menos venosa a longo prazo. O registro visual despojado de Sang-soo nos permite um olhar mais demorado e atento, sobretudo, às palavras que teimam em não sair quando deveriam.

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O roteiro de Certo Agora, Errado Antes é bastante inteligente. As elipses da segunda parte, buracos preenchidos pelo testemunho prévio de acontecimentos da primeira, permitem ao diretor trabalhar novas sequências que ressignificam o todo. Vistas separadamente, as metades possuem sentido e relevância próprios. Porém, juntas, como foram concebidas, expõem possibilidades tanto do cinema quanto do comportamento social. Não raros são os momentos em que o desconforto entre os personagens gera risos que acabam sublinhando, no fim das contas, o patético jogo ao qual ocasionalmente nos submetemos para seduzir, agradar, enfim, para nos sentirmos queridos e prestigiados. A autenticidade não é garantia de êxito, em virtude das variáveis. Hong Sang-soo não aponta um caminho certo, impondo esta ou aquela verdade, preferindo a isso mostrar que há inúmeros trajetos disponíveis.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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