Crítica
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Sinopse
Júlio César, um dos clássico de William Shakespeare, é encenado por detentos da prisão de segurança máxima Rebibbia, localizada em Roma.
Crítica
“Quando conheci a arte, essa cela se tornou uma prisão”. Essa frase, dita num dos momentos mais críticos de César Deve Morrer, resume bem o que o filme dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani busca transmitir ao seu espectador: a arte enquanto elemento transformador. Quem a pronuncia é um dos homens mais perigosos da Itália, condenado à prisão perpétua pelos crimes que cometeu contra a sociedade, e que mesmo assim consegue se deixar levar pela emoção quando entra em contato com a história daquele que tanto fez e que por tantos foi penalizado: César, o governante que conquistou o mundo e que por ele foi traído. O homem que a todos dominava e que pelo seu filho mais próximo foi apunhalado pelas costas, dando fim a uma trajetória de vitórias e sucessos. O fim surgindo de onde menos se espera. O começo se manifestando no lugar mais inóspito.
Os limites entre ficção e realidade mais uma fez ficam borrados e indefinidos em César Deve Morrer. E os Taviani procuram exatamente isso, acabar com as certezas pré-concebidas. A trama é bastante simples e tem início no ponto mais popular do texto clássico de Shakespeare, quando César, após a traição do filho, vira-se para ele e diz: “até tu, Brutus?”. Deste contexto notório, aquele em que certamente qualquer um da plateia terá sua própria referência, parte-se para o início, voltando-se para os fatos prévios que originaram aquele ato, há poucas semanas antes. Percebe-se um movimento de introdução de atividades artísticas no presídio, e um diretor teatral chega com a proposta de encenarem, com a ajuda dos presidiários, uma versão literal de Júlio César. Os cenários serão providenciados mediante as condições locais, os atores são todos amadores, os ensaios, curtos, e os espectadores estarão ali mais para cumprir uma exigência do programa do que por genuíno interesse cultural. Mas a arte tudo transforma, e o que se passará neste contexto ao qual somos apresentados não será diferente.
O ponto de partida são testes com voluntários que desejam se envolver na montagem. Os melhores são escolhidos e os ensaios começam. O texto shakespeariano, neste momento, ganha vida quando dito por homens que poderiam muito bem ser aqueles que, dois séculos antes, sentiram na pele as consequências de cada um destes atos que hoje são apenas imaginados. E aquilo que era apenas uma tarefa recreacional vai ganhando outras dimensões, impactos e, acima de tudo, interpretações. O que, enquanto espectadores, estamos vendo? O cinema se fazendo mágico e nos levando de volta ao tempo da Roma antiga? Atores dedicados entregando a melhor das mentiras? Ou homens de verdade, mostrando que tanto ontem quanto amanhã suas vidas serão sempre iguais, estejam elas nos autos jurídicos ou em cima de um palco? Poucos poderão apontar uma resposta firme e sem hesitações, pois a crescente mudança se estenderá aos dois lados da tela, num movimento contagiante e irreversível.
Premiado com o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim 2012, César Deve Morrer foi também o grande vencedor do David di Donatello – o Oscar italiano – levando 5 das oito indicações que recebeu, inclusive como Melhor Filme e Direção. É, ainda, o título escolhido pela Itália para disputar uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Tantas honrarias ainda são poucas diante dos inúmeros e inegáveis méritos que essa obra única e arrebatadora apresenta. Um filme pequeno, feito aparentemente com poucos recursos técnicos e de modo bastante simples, de aparência quase simplória e de duração tímida – são apenas 75 minutos. Mas que, no seu desenvolver, se agiganta de tal forma que se torna marcante e inesquecível, alterando nossa própria percepção do que é e de como dialogar com essa manifestação artística ainda conhecida como cinema. Um marco capaz de mudar conceitos e estimular, em primeira instância, a revisão dos nossos conceitos mais básicos.
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