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Sinopse

Charlie é uma menina com poderes sobrenaturais. Seus pais, Andy e Vicky, fogem desesperadamente há mais de uma década de uma agência federal sombria que ameaça se apoderar da garota para fazer dela uma arma mortal.

Crítica

No início dos anos 1980, uma verdadeira febre se abateu sobre Hollywood envolvendo adaptações para o cinema de histórias criadas por Stephen King. O impacto de projetos como Carrie, A Estranha (1976), O Iluminado (1980) e Na Hora da Zona Morta (1983), dirigidos por nomes de respeito como Brian De Palma, Stanley Kubrick e David Cronenberg, respectivamente, provocou uma avalanche de títulos genéricos dentro dessa mesma linha nos anos seguintes. Entre esses estava Chamas da Vingança (1984), uma coisa horrorosa comandada pelo desconhecido Mark L. Lester que só merece ser lembrada por ter sido o primeiro trabalho como protagonista de Drew Barrymore (e não por ter reunido em participações constrangedoras os vencedores do Oscar George C. Scott, Louise Fletcher e Art Carney). Mais de três décadas de passaram, e quando se imaginava que King acabaria relegado à obras cultuadas e produções para a televisão, o absurdo sucesso de It: A Coisa (2017) – a maior bilheteria de toda a sua carreira, tendo arrecadado mais de US$ 700 milhões no mundo todo – desencadeou o mesmo frenesi de tanto tempo atrás. E se em anos recentes o público se viu diante de remakes como Cemitério Maldito (2019) ou de sequências não solicitadas, como Doutor Sono (2019), era só questão de tempo até Chamas da Vingança ganhar uma releitura. Pois eis ela aqui, refazendo os mesmos passos da versão anterior, porém com ainda menos imaginação e originalidade.

O argumento de Firestarter (título original, que poderia ser traduzido como A Incendiária – aliás, como o livro foi batizado por aqui, uma escolha acertada) é bastante simples. Dois estudantes aceitam participar como cobaias de testes de laboratório, e como resultado acabam desenvolvendo habilidades “especiais” – ou seja, muito antes dos super-heróis virarem uma tendência por conta própria, aqui estava King mostrando a sua versão da mesma ideia. O problema se torna maior quando a dupla tem uma filha, a pequena Charlie, e essa se mostra uma incógnita, dona de possibilidades imprevisíveis. Enquanto os pais tentam lidar com a menina e ensiná-la a dominar esse potencial, a família é ameaçada e perseguida pelo governo, que deseja capturá-los para estudar a garota – e, se possível duplicar seus efeitos, criando, assim, um verdadeiro exército de máquinas de combate. Completamente em sintonia com o imaginário paranoico que reinava durante a Guerra Fria.

Se o primeiro filme se ocupava basicamente desse processo de fuga e captura, sempre pelo ponto de vista de uma criança que nunca chegava a entender por completo o que estava acontecendo consigo e com aqueles ao seu redor, o diretor Keith Thomas (cuja única experiência anterior na tela grande havia sido o pouco visto The Vigil, 2019) ignora de vez essas sutilezas, concentrando-se na sua visão particular do que seria passível de acontecer a uma jovem de posse de um dom ameaçador – como o nome já adianta, ela é capaz de criar fogo e incendiar tudo o que estiver a seu alcance – que se vê encurralada e sem ter em quem confiar. Se antes sua imaginação estava no alcance de gerar chamas no sapato de um rapaz que maltrata a namorada, agora é capaz de tostar familiares e ameaçar a si mesma. Não por descuido ou descontrole, mas por um desejo pessoal. Deixa de ser vítima, portanto, para se tornar heroína e vilã na mesma medida.

Quem substitui Barrymore como a personagem-título é a desconhecida Ryan Kiera Armstrong (A Guerra do Amanhã, 2021), e pelo que oferece em cena, é difícil imaginá-la tendo pela frente uma carreira similar à da sua colega mais velha. A menina até segura a responsabilidade de conduzir muitos dos acontecimentos, porém o faz mais pelo esforço do que pela naturalidade de apenas estar presente. Fica visível a intensidade com a qual se envolve com o drama de Charlie, ao contrário do que se poderia imaginar diante de eventos relacionados a alguém com menos de dez anos de idade. O resultado é um passo além do desejado, seja pelas expressões carregadas, por gestos exagerados ou mesmo em discursos longe de soarem críveis, ainda mais visto sua juventude. Mas a menina é apenas um detalhe menor ao lado do seu principal colega de elenco. Aparecendo com o pai da garota, Zac Efron se afunda em uma careta mais forçada do que a outra, falhando miseravelmente em entregar a dimensão do perigo que ambos correm ou mesmo a dramaticidade que essa relação familiar teria por explorar. Ele surge de modo tão exagerado que tudo o que consegue é se aproximar mais da comédia do que do suspense.

Desprovido do contexto sócio-político de quatro décadas atrás, esse novo Chamas da Vingança se mostra ainda mais tolo do que seu antecessor. A inocência e até mesmo ingenuidade de antes se transformam, agora, em manipulação e sensacionalismo, recaindo na velha e desgastada fórmula de mocinho e bandido, deixando de lado as implicações que se fariam necessárias frente à estrutura exposta. Por fim, mesmo os parâmetros estabelecidos passam a ser ignorados em nome de uma necessidade de fútil grandiosidade, mais propensa a provocar dores de cabeça no espectador do que gerar qualquer tipo de impacto duradouro. Kubrick, ao se apropriar da obra de King para fazer um filme que é muito seu e nada dele (e que o autor, obviamente, desaprova), declarou ser “mais fácil fazer um bom filme de um livro ruim do que superar na tela um texto já excelente”. Para isso, porém, se exige que o responsável por essa transição tenha algo de novo a ser dito a partir daquele contexto. Justamente o que tanto faz falta por aqui.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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