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Sinopse

Enquanto o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza protestos e movimentações para pressionar o governo a aprovar uma reforma agrária que redistribuirá o território de uma usina prestes a falir, um grupo de conservadores ligados a latifundiários luta para acabar com as manifestações dos ocupantes.

Crítica

Ao participar do cotidiano da ocupação da Usina Santa Helena pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a cineasta Camila Freitas ajuda a dirimir as distorções disseminadas com intenções espúrias acerca dessa organização que luta por reforma agrária. Diferentemente da mídia hegemônica, como é sublinhado numa parte de Chão, que potencializa a agenda de criminalização conveniente aos poderes contrários aos assentamentos que dão significado a latifúndios improdutivos, o documentário se empenha em compreender essa engrenagem nas suas minúcias. Aliás, o princípio seguido é o da observação do dia a dia das famílias instaladas no terreno da empresa que enfrenta processo de falência judicial, uma considerável devedora da União. O filme percorre peculiaridades a fim de construir um painel alusivo ao âmbito nacional desse movimento considerado um dos maiores da América Latina no que concerne a questões de ordem social.

Ainda que seja muito pertinente a perscrutação atenciosa das reivindicações, o ritmo adotado depõe contra a fruição por torna-lo moroso, destituído de uma vibração que geraria, por exemplo, comoção ou que permitiria, no sentido amplo, uma mobilização em favor da causa defendida. As pautas do MST são apresentadas com clareza e a realizadora opta por pormenorizar os itinerários internos, as estratégias para que as ações e suas propagações, inclusive nos veículos alternativos, sejam absoluta ou parcialmente efetivas. Tal escolha é compreensível, especialmente levando em consideração essa necessidade de combater uma imagem pública desfavorável, principalmente aos facilmente aderentes às narrativas que tipificam as ocupações como ilegais e arbitrárias. Todavia, há um exagero nesse desvelamento, uma exposição contraproducente (ao movimento) dos estratagemas dos quais até as lideranças lançam mão com o intuito de garantir um equilíbrio difícil.

Chão centraliza personagens importantes, como PC, uma espécie de articulador que divide com a sexagenária amiga e companheira de batalha, chamada carinhosamente de Vó, o ideal e o sonho da lavoura própria, rabiscado como plano exequível na lousa. Há em jogo diversos temas e seus virtuais desdobramentos, sendo um dos mais citados, embora não aprofundados, a proposta dos sem-terra de cultivar os assentamentos com uma prática que exclui a utilização de agrotóxicos, fazendo concomitantemente bem ao meio ambiente. No entanto, faltam imagens emblemáticas, como a aterradora da máquina abrindo seus prolongamentos e logo depois despejando veneno nas plantações. Geralmente, o documentário coleciona flagrantes sintomáticos das rotinas nos acampamentos, mas não exibe força suficiente para deflagrar as potências em voga. Determinados vislumbres são apenas servidores de um propósito estético, não reverberando no que tange à mensagem.

A despeito da fragilidade na costura, Chão oferece um contraponto às distorções quanto à atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Uma pena que Camila Freitas se contente em demonstrar, sem tecer uma urdidura que ultrapasse o mero testemunho do cotidiano, as constatações das intenções nobres daqueles homens e mulheres que se preocupam com uma profunda mudança no cenário dessa coletividade adoentada pela desigualdade. No campo das ótimas exceções nesse percurso arrastado e de prejudicado impacto cinematográfico, a reprimenda de uma mulher diante da propaganda governamental estrelada por Giovanna Antonelli, em que a falácia do “todos no Brasil têm uma fazenda” soa como uma zombaria do Estado com a miserabilidade alheia. Outro desperdício é a visita do filho transexual de PC ao acampamento, algo que não serve para integrar ali os LGBTQ. A câmera estranhamente mira a bem-vinda forasteira com curiosidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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