Crítica
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Sinopse
Crítica
Apontado como “o melhor filme que Alfred Hitchcock nunca fez”, Charada é uma obra estranha às filmografias da maioria dos talentos envolvidos. Ou quase isso. Afinal, Cary Grant, apesar da idade avançada – estava com quase 60 anos, e se aposentaria apenas dois filmes depois – era o único em seu terreno (como havia sido em tantos thrillers semelhantes dirigidos por... Hitchcock). Porém, a estrela feminina era Audrey Hepburn, encantadora como de costume, mas dada mais à dramas ou comédias românticas, e não thrillers de espionagem, assim como o diretor Stanley Donen, responsável por clássicos como os musicais Cantando na Chuva (1952) ou Sete Noivas para Sete Irmãos (1954), aqui numa seara que, em parte pelo sucesso da empreitada, exploraria depois em Arabesque (1966). Curiosamente, no entanto, a mistura acaba funcionando, e o que se tem é uma aventura que transita com tranquilidade entre momentos tensos e outros assumidamente leves, graças, em grande parte, à insuspeita, porém ajustada, química que se percebe entre os dois protagonistas.
Se o trio citado acima já era de causar impacto em qualquer cinéfilo de ocasião no início dos anos 1960, o elenco reunido de coadjuvantes também não era nada irrelevante. Afinal, entre eles estavam os oscarizados Walter Matthau, James Coburn e George Kennedy. Todos juntos num conto que segue os moldes conhecidos do ‘homem errado’ – neste caso, da mulher, para ser mais preciso – que tanto fez a alegria do Mestre do Suspense em vários dos seus sucessos. Logo nos primeiros minutos, Regina Lampert (Hepburn) descobre que seu marido foi assassinado. Ela nunca havia suspeitado que o pacato e entediante homem com quem havia dividido sua cama nos últimos anos poderia ser um tipo que provocaria a ira de alguém a ponto deste querer matá-lo. Acontece que ele, de fato, não era nem perto aquele que ela imaginava. E assim que volta de férias para conversar com a polícia, sua vida começa a virar de cabeça para baixo.
Primeiro, fica sabendo que o ex-companheiro estava sendo perseguido pelo FBI, ou seja, motivo de uma caçada internacional. Segundo esses, ele estava de posse de uma fortuna que havia sido roubada tempos atrás, e estão dispostos a tudo a reavê-la. Inclusive prendê-la. Afinal, a dedução lógica a que chegam é que, com a morte do suspeito, tal quantia milionária teria ficado de posse dela. Acontece, no entanto, que Regina não faz a menor ideia do que estão falando – e ninguém melhor do que Audrey Hepburn para compor a ingênua, porém perspicaz vítima desse gigantesco mal-entendido. Sim, pois a coisa toda logo adquire proporções ainda maiores com o envolvimento de um irresistível mentiroso (Grant, que nunca é quem diz ser, mesmo sendo desmascarado a todo instante) e de três desconhecidos que afirmam terem sido colegas do falecido – e enganados por ele. Tanto é que querem a parte deles da alegada fortuna.
Se Regina está devendo para um monte de gente, e nem mesmo casa para morar tem mais, o que deve fazer? Seu instinto parece sugerir que deveria confiar nas instruções que lhe são dadas pelo oficial norte-americano (Matthau, num tipo mais determinado, diferente do rabugento que eternizou em grande parte de sua carreira). Porém, como fazer o que a razão manda, se o coração – e todo o resto do seu corpo – parece seguir em direção ao adorável malandro vivido por Cary Grant? Um dos maiores galãs que Hollywood já apresentou ao mundo, ele entra em cena praticamente disposto a tudo, sem deixar transparecer o alegado cansaço que o levaria a se afastar das telas não muito tempo depois. De tiros de pistola d’água de uma criança a uma luta pelos telhados, passando por socorrer a mocinha em seus braços – e fugir de seus avanços românticos a todo custo – ele é capaz de confundir tanto sua parceira de cena como a audiência, que permanece até o fim sem saber ao certo de qual lado ele, enfim, está.
Por mais que resvale no lado cômico um tanto além da conta – o trio de capangas, mesmo vivido por notórios “vilões” como Coburn, Kennedy e Ned Glass (Amor, Sublime Amor, 1961), nunca chega a ser realmente assustador – e a insistência em fazer dos protagonistas um par romântico por vezes soe exagerada – afinal, havia uma diferença de 25 anos entre eles, o que deixava principalmente Grant bastante desconfortável – Charada se beneficia da condução leve de Donen, mais hábil quando se ocupa dos personagens e menos dos desenlaces que os envolvem, e do brilho aparentemente inesgotável de Audrey Hepburn, que consegue se sair maravilhosamente bem diante das situações mais diversas, seja entediada nos alpes suíços, pobretona em uma Paris que parece rejeitá-la, sem saber ao certo em quem confiar ou mesmo na linha de tiro de dois homens que se enfrentam, ignorando qual é o bandido e qual o mocinho – a mesma dúvida compartilhada, aliás, pelos espectadores. Isso, efetivamente, é mérito da estrela, atenta às dubiedades de uma personagem que poderia ser mera moeda de troca, mas termina por se destacar como a maior surpresa da história.
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A química entre Grant e Hepburn é ótima, mas o tom leve e engraçadinho do roteiro atrapalhou um pouco.