Crítica
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Sinopse
Um dos maiores nomes da imprensa brasileira, Assis Chateaubriand tem um delírio e se enxerga dentro de um programa televisivo ao vivo, transmitido nacionalmente, no qual é passada a limpo sua trajetória extravagante.
Crítica
Cada um tem o que merece. No caso de Assis Chateaubriand, o mais poderoso homem do Brasil durante três décadas, recebeu da direção de Guilherme Fontes em Chatô: O Rei do Brasil a versão de um limbo dantesco. Debilitado em uma cadeira de rodas, o magnata da comunicação brasileira assiste ao pesadelo de ser julgado pelos inimigos, um perverso coro de desafetos – entre eles antigos amigos, aliados e amores – todos angariados durante a criação do seu Diários Associados, um império composto por rádio, jornal e televisão.
Com decoração inspirada em Tarsila do Amaral e em clássicos programas de auditório como o de Chacrinha, o julgamento é o artifício central utilizado pelo filme para contar a vida de Chateaubriand. Ainda que faça parte de uma alucinação no leito de morte do protagonista, o recurso surge como uma forma interessante encontrada pelo roteiro para evitar a tradicional estratégia cronológica e dar conta de um personagem complexo e peculiar. Pois se por um lado Chatô necessita de um modelo que lhe permita imprimir características a là Forrest Gump: O Contador de Histórias (1994), como a de um personagem com extensão temporal, intimamente ligado a uma série de acontecimentos e personalidades importantes da história brasileira, por outro é a dubiedade do seu caráter, em contraposição à estabilidade da figura interpretado por Tom Hanks, que aceita mais facilmente uma narrativa com saltos e interdições.
Do envolvimento na Revolução de 1930 ao golpe militar de 1964, Chatô é bem conduzido por Marco Ricca, que lhe imprime as cores acertadas – nem sempre fáceis de transmitir – de um homem macunaímico e tropicalista, dotado de um provincianismo visionário. Criado em oposição à elite brasileira da primeira metade do século XX, facilmente pronta a fundir-se culturalmente com os traços da educação europeia, Chatô tem no primitivismo nacional, resguardado com muito orgulho apesar do domínio do alemão e do francês, o motor para um ímpeto de poder que somente pode ser compreendido como colonizado pelos ares da vaidade e do auto-interesse.
Assim como todo passional, é a falta de mediação com o mundo externo que faz Chatô estar em conflito permanente entre os objetivos e a manutenção do poder alcançado, tornando-se escravo das próprias conquistas. É assim quando a paixão que mantém com Vivi (Andréa Beltrão) interfere na relação mantida com Getúlio Vargas (Paulo Betti), que passa de aliado a inimigo, em um movimento a se desenrolar primeiramente dentro da rígida mente do personagem de Ricca.
Estreia de Fontes na direção, Chatô: O Rei do Brasil levou vinte anos para ser finalizado. Duas décadas de um imbróglio que pertence à história do cinema nacional, mas não ao filme em si. Por sorte, o que temos em tela se desgruda do passado que, inevitável, esteve prestes a se tornar um personagem disposto a prejudicar a obra. Se pensarmos no filme como um círculo, Chatô encontra dificuldades – em alguns instantes até graves – em seu início, na região das bordas. A apresentação temporal entre o acidente que o levará ao hospital, onde entrará no pesadelo do julgamento, e o cerne da trama, o seu núcleo, é feita de maneira rústica, pouco aparada e histriônica. As farpas que dali saem são preocupantes, pois parecem atentar contra o filme, apontando para trás, para o longo tempo de produção, para o excesso e, então, falta de recursos, para as acusações e suspeitas. Mas não. O que em um primeiro momento sugere acenar com o pior, assenta-se em uma narrativa que encontra o eixo e se estabiliza. Estabilidade que, à imagem do protagonista, não é uma convicção de Fontes.
Alternando entre o humorístico, o histórico e o épico, as idas e vindas do enredo não são uma estratégia minuciosamente desenhada pela técnica. Elas mais se parecessem a uma incursão pelo íntimo da vontade, o mesmo sentimento que moveu Chatô para construir o seu império e está presente nas decisões do diretor, que convencido de que havia ali uma grande história a ser narrada, conseguiu contá-la à revelia do que lhe atravessou o caminho – as pessoas, o tempo e a inexperiência.
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