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Crítica


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Onde Assistir

Sinopse

Cagalera e Moloteco são dois amigos adolescentes que vivem na Cidade do México. Insatisfeitos com a difícil situação financeira que enfrentam, decidem tomar medidas drásticas e acabam se envolvendo com o mundo do crime.

Crítica

Chicuarotes, nova incursão do ator Gael García Bernal pela direção cinematográfica, evoca imediatamente um dos maiores êxitos da carreira de seu condutor, talvez o mais definidor deles, E Sua Mãe Também (2001). A dinâmica gerada pela amizade entre Cagalera (Benny Emmanuel) e Moloteco (Gabriel Carbajal) remete diretamente à então análoga dos personagens de Bernal e Diego Luna (aqui produtor) no longa-metragem de Alfonso Cuarón. Todavia, o ambiente e as questões principais são completamente diferentes. Cansados de ser ignorados pelos passageiros do ônibus onde tentavam ganhar uns trocados fazendo seu número sem graça de palhaços, Cagalera e Moloteco utilizam a hostilidade que os oprime para conseguir algo que não os permita voltar para casa de mãos vazias. Nesse prólogo já aparece a preocupação sobressalente com a exposição das profundas engrenagens que submetem os mais pobres a poucas alternativas. Excetuando a sorte e as circunstâncias excepcionais, apenas a criminalidade ou os esquemas ilícitos num sindicato podem lhes salvar.

Gael García Bernal demonstra vontade de compreender não apenas as motivações das figuras afetadas por toda sorte de brutalidades cotidianas, mas, principalmente, de oferecer uma leitura abrangente do contexto social em que todos vivem. Cagalera não é um protagonista que barganha pela simpatia do espectador com um heroísmo destoante do cenário no qual se encontra, bem pelo contrário. Ele constantemente reproduz a violência que o constrange diariamente em virtude da falta de perspectivas. Espelhando o meio, é consecutivamente homofóbico na presença de Victor (Pedro Joaquín), irmão que não apresenta comportamento parecido com o seu, nesse sentido também oscilando no tratamento da namorada, Sughelli (Leidi Gutiérrez), ora a cobrindo de juras de amor e carinho, ora não sendo tão distante assim do pai que aparece em casa somente para criar o clima de terror imediatamente atrelado à sua malquista presença.

Em Chicuarotes até os bandidos, os sujeitos temidos, são absolutamente decadentes, provavelmente destituídos da aura de poder se deslocados da pobreza que assola os moradores das cercanias. O bon-vivant Planchado (Ricardo Abarca) é entendido pela maioria como um exemplo irretocável de sucesso com as mulheres, mas não é menos vulgar que boa parte dos vizinhos. Baturro (Enoc Leaño), agente da selvageria doméstica que enche a casa de Cagalera de medo, é, a despeito da autoproclamada imunidade por conta dos contatos e dos “capagangas”, um homenzarrão vitimado pelo excesso de álcool combinado com uma desesperança latente. Gael García Bernal não deixa as pessoas serem carimbadas e/ou estereotipadas, mantendo o foco direcionado à inevitabilidade de conjunturas determinadas pelo aspecto socioeconômico. Assim, mesmo as respostas, distantes de ser meramente defesas, são contra-ataques com agressividade.

Sublinhando a cotidianidade das ocorrências nefastas, torpemente naturalizadas devido à sua frequência, tais como o assassinato, Gael García Bernal não faz concessões, evita jornadas redentoras, gradativamente adensando a sensação de que um final total ou parcialmente feliz é algo interditado, presente desde a primeira cena. Isso porque a idealização passa distante desse drama social debruçado sobre a humanidade destroçada pela penúria, seja ela financeira, educacional e/ou moral. Gabriel Carbajal, dos amigos o mais introspectivo, assume a função simbólica do clown melancólico, sujeito inapelavelmente embotado pela realidade contra a qual pouco poder fazer. Cagalera, pelo contrário, é inquieto, um tanto sonhador, mas, desajeitado, põe os pés pelas mãos ao tentar um golpe contra a sua sorte desgraçada. A crueldade exposta atinge um de seus picos no instante em que uma criança precisa sentenciar alguém à morte se não quiser ser (ainda mais) castigada. Nesgas de um mundo cão aqui desenhado sem recorrentes apelos a facilidades, onde culpados somos todos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
8
Roberto Cunha
7
MÉDIA
7.5

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