Crítica
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Sinopse
Nascido em Cuba no século 19, Rafael Padilha foi vendido quando ainda era criança. Depois de fugir de seus compradores, ele é acolhido por um palhaço que o coloca em seu show. Logo ele se tornaria o primeiro artista circense negro da França.
Crítica
O preconceito racial nunca é tema fora de época. Muito pelo contrário. Desde o advento das redes sociais a discussão tomou novos formatos ao mostrar que, pelas opiniões expostas online, o racismo continua em alta e é necessária uma reeducação constante para evitar cair nas armadilhas de se propagar posicionamentos nada generosos sobre negros. Pois o francês Chocolate, de Roschdy Zem, toca fundo na questão ao contar a história de Rafael Padilla, artista circense do final do século XIX e início do século XX que se tornou popular ao interpretar o palhaço Chocolat. Do “negro de Footit” (com quem fazia dupla no circo e assim era chamado pelo público em geral) até o ativismo após um período na prisão, acompanha-se a sua trajetória tendo como grande antagonista, justamente, a sociedade nada liberal da época.
Omar Sy, que ganhou notoriedade após o sucesso de Intocáveis (2011), se entrega a este personagem tão humano que ganha a empatia do espectador justamente por fugir dos clichês do gênero. Aqui não temos uma caricatura de alguém relegado a papel de subalterno lutando contra a opressão. A luta permanece, mas Chocolat não é, nem de longe, aquele estereotipo de alguém totalmente bonzinho que precisa se esgueirar pelas beiradas para chegar onde quer. Sua personalidade é a de um beberrão, explosivo, com temperamento forte, mas inconstante em suas atitudes. É o personagem da vida real, recheado de camadas que vão tomando dimensões maiores à medida em que as diferentes e até caóticas situações se passam com ele. É a construção de seu pensamento que vemos na tela como reflexo do que ele sofria diariamente, tanto para o bem quanto para o mal.
Por isso é tão importante que o diretor Roschdy Zem não se prive de revelar o racismo da sociedade europeia da belle époque da forma mais sutil, como ninguém sequer cogitar querer saber o nome verdadeiro de Chocolat, nem mesmo o diretor do circo em que ele trabalhava. A imprensa o conhecia como o negro parceiro de Footit, como já dito. E o próprio companheiro de espetáculo fica na beira do caminho entre dividir igualmente os lucros dos espetáculos e trata-lo de forma igualitária em suas conversas e demonstrar algo diferente na frente dos outros. Afinal, associar-se a um negro naquela época não era visto com bons olhos.
De início temos uma dramédia, tratando o tema com uma certa leveza. Na verdade, Zem prepara o terreno para o espectador na segunda parte, quando Rafael/Chocolat é preso por falta de documentos e conhece outro negro na cela. As ilusões do artista começam a cair por terra com um simples questionamento: ele só amado pelo público porque apanha de um branco perante o público. É isso mesmo que ele quer para a vida? O branco calculista enraizado pelo Footit de James Thierrée pode parecer um antagonista perfeito para o personagem principal, mas ele é apenas um reflexo de toda uma sociedade que nunca aprendeu a respeitar o diferente, ainda mais numa época que a escravidão ainda ecoava pelo ambiente.
Ainda assim, o filme não é só recheado de qualidades como o elenco afiado, a direção de arte irretocável ou a fotografia que desfila na paleta de cores para o colorido do início e os tons de sépia que vão se aprofundando à medida que a história avança. O roteiro lança todas estas questões, mas não chega a tomar tanta densidade quanto ameaça fazer. Nunca o racismo fica raso, mas parece amansado para o filme se tornar mais palatável para o grande público. Ainda assim, nada tira os méritos da produção, que merece destaque nesta discussão atemporal que deve sempre ser questionada. Afinal, até quando os negros vão ser relegados a segundo posto em todo o mundo?
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Matheus Bonez | 7 |
Ailton Monteiro | 6 |
MÉDIA | 6.5 |
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