Crítica
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Sinopse
Filha única de um trabalhador rural, Christabel encontra Geraldine, uma mulher misteriosa, que diz ter sido atacada por homens e precisa de ajuda. Em sua inocência e pureza, Christabel acolhe Geraldine na casa de seu pai. A partir de então, as duas se relacionam de maneira que Geraldine passa a ter grande influência sobre Christabel, desestabilizando suas convicções e promovendo ruptura das tradições, mas que trazem um sentimento de paixão e liberdade jamais vivenciados por ela.
Crítica
Uma garota insone escuta um estranho som no meio da noite. Incomodada, decide sair à rua para descobrir a origem do som. Na mata próxima a sua casa, se depara com uma mulher abandonada, aos prantos. Dentre lágrimas, essa revela ter sido levada por homens maus, que a abusaram das mais diversas maneiras. Como no final da violência já estavam bêbados, ela conseguiu fugir, e ali foi parar. Quem a encontra é Christabel, e ainda que essa seja a personagem-título deste conto inusitado dentro do cenário cinematográfico brasileiro, será a estranha recém-chegada que irá desencadear mudanças nas vidas tanto da sua benfeitora como do pai dessa, com quem mora, a partir do momento em que decide ajudá-la dando-lhe abrigo. E ainda que o ritmo seja arrastado e a condução da história se estenda muito além do necessário, através de uma sofreguidão que não faz jus ao que entrega, apenas a proposta de buscar por uma linguagem diferenciada já é digna da atenção que este título desperta.
Longa de estreia na ficção de Alex Levy-Heller, realizador dos documentários O Relógio do Meu Avô (2009) e Macaco Tião: O Candidato do Povo (2017), além de produtor do premiado Dzi Croquetes (2009), Christabel é adaptação de um poema do inglês Samuel Taylor Coleridge, cuja escrita data do final do século XVIII e que ficou sem conclusão. E este é justamente o ponto mais problemático deste longa em questão: tornou-se responsabilidade do diretor – e também roteirista – achar um fim para essa história. Ainda que aposte em um cinema de gênero, com signos específicos desse estilo de narrativa, o desenlace empregado nos últimos instantes termina por ser abrupto, uma vez em que tudo é lento, devagar, por mais que reiterativo. Algumas imagens são repetidas à exaustão. Só que ao invés de preparem o terreno para o que está por vir, elas mais causam desgaste e inquietação, pois soam equivocadas e estranhas àquele conjunto, fazendo um sentido óbvio apenas diante do desfecho até então anunciado.
Geraldine (Lorena Castanheira, que deixa evidente esconder algo além do que diz) ganha pouso e dorme por dois dias diretos, até se recuperar. Christabel (Milla Fernandez, portando um olhar perdido que vai além de qualquer empatia) está ansiosa para descobrir quem é aquela mulher descansando no quarto ao lado, que mexe com seus instintos, desde a sexualidade reprimida pelo noivo ausente pelo trabalho como também por sua própria condição naquela família, responsabilidade que se viu obrigada a assumir desde muito cedo, uma vez que a mãe morreu durante o parto. Mas quem também é afetado é Leonel (Julio Adrião, o melhor em cena, no domínio de uma figura abrutalhada pelo tempo, mas ainda dono de uma sensibilidade insuspeita), o pai, há anos sem se deparar com uma presença feminina que não familiar, percebe que “o sangue que corre por suas veias ainda está vivo”. Os dois terão seus destinos alterados de forma definitiva, sem que seja possível um retorno ao conforto de suas vidas até então.
A fotografia de Vinícius Berger (Meu Corpo É Político, 2017), outro profissional que vem do registro documental e aqui estreia no universo ficcional, é um dos grandes méritos do projeto. O trabalho que desenvolve com luzes e sombras cria atmosferas interessantes, que ajudam a compensar o esforço que representa enfrentar Christabel até sua conclusão. Levy-Heller não está interessado em fazer um cinema de fácil acesso, e talvez não devesse mesmo. Porém, ao invés do atrevimento de produzir uma obra portadora de significados que talvez fizessem sentido apenas ao realizador, o que lhe falta é domínio no discurso que assume. Há muitos planos de detalhes, situações que servem apenas para estabelecer o tom do ambiente e posicionamentos que nada mais representam do que uma insegurança em relação ao desenrolar dos fatos. Não há muito mistério a respeito de que algo de ruim está para acontecer. Por isso, não se faz necessária a insistência em reforçar tal mensagem.
“O mundo é um lugar melhor quando quebramos um homem só porque podemos”, afirma Geraldine em meio a um diálogo qualquer, como numa demonstração de força que até pode passar desapercebida para Christabel, mas que ao espectador soa com bastante clareza. Com mais segurança no que tinha em mãos, Levy-Heller poderia ter feito um grande filme. A ambientação que conduz ao enigma, uma direção que denota conhecimento ao explorar os pontos fortes de seu elenco e minimizar suas debilidades, e um conjunto técnico de evidente competência fazem desse um exercício de resistência, mas também de coragem dentro de um contexto mais amplo. Com meia hora a menos e um olhar mais direcionado, o resultado não só teria sido mais conciso, como também estaria à altura dos méritos envolvidos e da ousadia presente, tão necessária para se distanciar da mediocridade vigente quanto exigente no seu uso e nas expectativas levantadas.
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