Crítica
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Sinopse
Hong se muda para uma nova cidade com a filha após divorciar-se. Dez anos depois, uma nova configuração familiar perturba a concepção de rotina da menina. Ela decide fugir de volta à sua terra natal. No entanto, descobre que a localidade desapareceu há anos.
Crítica
O chinês Ciclo Solitário é calcado na construção de uma atmosfera. Isolados, os atos são banais. Somados, porém, sustentam um clima de melancolia que pode ser compreendido como tentativa de manifestar a dominante psicológica da protagonista no âmbito formal. Ye (Yizhuo Zhang) é a jovem numa fase de afirmações e mudanças. Adolescente às voltas com um rapaz, se vê perturbada pela presença do novo namorado de sua mãe, frequentemente demonstrando estar desconectada da configuração de sua casa. Volta e meia ela menciona o pai e a cidade natal de Yinchuan, talvez como se fosse possível retomar velhos traços da felicidade perdida no retorno físico ao cenário atualmente fantasmagórico pelas imposições imobiliárias do progresso na China. Bem longe de sublinhar esse dado social do país em brutal mutação, o cineasta Zhang Qi o utiliza apenas como pano de fundo do desassossego que atravessa as pessoas de modos bem distintos. Porém, essa soma de inquietudes é apresentada num itinerário frouxo, diante do qual facilmente se perde o interesse.
Abrindo o foco, o realizador não fica em torno estritamente dos lamentos de Ye, das demandas reprimidas pela mãe e engrossadas pela sentida ausência paterna. Chamando outras figuras a esse diagnóstico modorrento de uma rotina repleta de insatisfações e dúvidas, Ciclo Solitário fica um bom tempo detido nas questões do sujeito que se integra no cotidiano de mãe e filha, observando a morosidade dos dias passados entre uma casa de jogos e as empreitadas esporádicas como motorista. Ele e a protagonista não chegam a divergir abertamente, inclusive porque ela não consegue enxergar com clareza as fronteiras entre possíveis ofensas e os gestos de zelo. As amarras do filme são frágeis, as mal enjambradas elipses ajudam a criar uma sensação improdutiva de ignorância e instabilidade. Zhang Qi obviamente tenta contaminar a realidade objetiva com esse desnorteamento de Ye, buscando transportar à experiência do espectador justamente incertezas e senões vivenciados pela menina. Entretanto, gera um resultado confuso, displicente e com vocação a aborrecer.
Diante das indagações internas de Ye, Ciclo Solitário se restringe a pontuar os acontecimentos. Há todo um testemunho longo da cumplicidade com o namoradinho, as aulas de pilotagem de motocicleta, as conversas amenas, etc. Adiante, ela interdita os avanços dele e uma tensão gerada entre ambos é meramente circunstancial, a despeito da relevância sinalizada pela duração da sequência que apresenta o episódio. A protagonista não é investigada, tampouco ganha espaço para além dos resmungos e silêncios supostamente reveladores. Zhang Qi bem que tenta criar um conjunto mais sensorial, evitando ao máximo explicações ou algo que as valha no terreno da exposição pura a simples. Porém, lhe falta habilidade para não permitir, por exemplo, uma confusão constante entre introspecção e apatia. Acontecimentos surgem do nada e entrecortam trechos destituídos de tônus dramático, aumentando então a impressão de que muito acontece, mas nada ganha ares de relevância nessa trajetória difícil de ser vencida. É um longa cansativo e pouco compensador.
Mesmo compreendido como painel, Ciclo Solitário é frágil. Hong (Liu lu), a mãe da protagonista, vive às turras com o namorado. É evidente que o sujeito paga por expectativas previamente criadas. Aliás, o cineasta Zhang Qi reserva às mulheres atitudes inesperadas, intempestivas, enquanto resguarda os homens, frequentemente os colocando como vítimas de desvarios e condutas desestabilizadoras exatamente por serem estranhamente abruptas. Não é difícil entender as relações, as eventuais simbologias e o ímpeto de investigação das pessoas. Entretanto, não é equivalente a tais vontades manifestadas a disposição para organizar as coisas ao ponto delas ganharem a potência merecida. No fim das contas, alguns tiros acabam saindo pela culatra – vide, principalmente, a mencionada discrepância entre os comportamentos masculinos e femininos –, num conjunto sonolento, em que a extensão dos planos, por si, não é suficiente para prender a nossa atenção. A encenação soa demasiadamente engessada, num processo que logo se esgota, criando folgas ao cansaço.
Filme visto online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2020.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 3 |
Francisco Carbone | 5 |
MÉDIA | 4 |
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